Falta pouco para que o Estado de Alagoas passe a fornecer, gratuitamente, medicamentos à base de óleo de cannabis em sua farmácia pública. A iniciativa, considerada um avanço, ainda depende de definições sobre quantidade, fluxograma e planejamento de estoque. Desde 2022, o estado possui a Lei nº 8.754 sobre o tema, mas aguardava posicionamento da Comissão de Avaliação de Tecnologias em Saúde (CATS).
Nesta semana, atendendo a uma determinação do desembargador Márcio Roberto, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) publicou o Protocolo de Diretrizes Clínicas Terapêuticas (PCDT), que autoriza a indicação de medicamentos à base de cannabis para três tipos raros de epilepsia: síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gastaut e esclerose tuberosa.
A elaboração do protocolo, conduzida por especialistas da Sesau, levou dois anos. A atuação da Defensoria Pública, por meio de ação impetrada pelo defensor Daniel Alcoforado, foi decisiva para provocar o Judiciário e acelerar o processo.
Segundo Alcoforado, a publicação do protocolo é “tímida”, mas representa um marco, ao estabelecer fluxos administrativos e padronizar as apresentações de 20mg/ml, 50mg/ml e 200mg/ml para a distribuição.
“O PCDT restringe-se a três síndromes epilépticas. Ficam de fora condições já respaldadas por evidências científicas, como dor neuropática, TEA grave e espasticidade, todas com alta demanda judicial. Continuaremos lutando pela ampliação do protocolo com base em estudos científicos”, destacou.
Com a aprovação técnica, os próximos passos incluem: a implementação imediata das formulações no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; a publicação, em até 30 dias, do fluxograma de solicitação e dispensação; e a previsão de ampliação periódica, conforme cláusula de revisão prevista no próprio documento.
Entusiasta da causa, o desembargador Tutmés Airan, da Vara de Direitos Humanos do TJAL, considera o protocolo um avanço importante: “É um avanço muito grande para quem necessita dessa medicação. A esperança é que o protocolo seja ampliado, atinja um espectro maior de doenças e estimule novas pesquisas científicas. É motivo para comemorar e também para continuar lutando pelo direito ao não sofrimento”.
Essa é também a avaliação da farmacêutica Letícia Ravelly, presidente da associação Liamba, que produz óleo de cannabis com autorização judicial. Ela defende uma revisão na padronização por dosagem: “Cada pessoa tem sua dose ideal. Só se fala do canabidiol, excluindo outras possibilidades. Será que uma fórmula única servirá para todos?”, questiona.
Letícia também reforça a necessidade de capacitação dos profissionais do SUS, especialmente médicos, para prescrição e acompanhamento adequados: “Essa porta que se abre é fundamental para quebrar o preconceito e estimular a busca pelo tratamento com mais confiança”.
Atualmente, a Liamba atende mais de 300 pacientes, a maioria com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) — grupo que, por enquanto, ficará de fora da distribuição via SUS.
A cannabis deixou as páginas policiais para se tornar parte da rotina de consultórios médicos em diversas partes do mundo. Com baixo custo, poucos efeitos colaterais e eficácia comprovada, os medicamentos à base da planta oferecem qualidade de vida a milhares de pessoas.
No Brasil, no entanto, a maioria dos pacientes ainda precisa importar ou judicializar o acesso ao tratamento. Por isso, a Comissão de Cannabis Medicinal da OAB, presidida pelo advogado Lucas Sobral, também considera o protocolo um passo importante: “Como a cannabis foi proibida por muitos anos, só existem evidências científicas robustas para poucas doenças. Mas a experiência clínica e empírica já mostra benefícios para Alzheimer, Parkinson, autismo, doenças degenerativas, dores crônicas, distúrbios do sono, entre outras. É preciso mais pesquisa”.
Sobral avalia que o protocolo protege o Estado do ponto de vista legal e científico, e que a política pública ainda está em construção: “O PCDT é mutável. A medicina avança, e os protocolos precisam acompanhar. O marco regulatório da cannabis também está evoluindo, e a tendência é que as pesquisas se consolidem”.
Ele defende, ainda, que o Estado apoie e capacite organizações da sociedade civil como forma de ampliar o acesso: “Seria mais barato e rápido, e ampliaria o alcance do atendimento sem que o Estado precise cultivar a planta diretamente.”
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