A superintendente da Polícia Federal em Alagoas, delegada Luciana Paiva Barbosa, disse em entrevista coletiva na manhã desta quinta-feira (21) que foram apreendidos documentos e aparelhos eletrônicos durante a operação contra a Braskem, em Maceió. Todo o material recolhido passará por análise e perícia e, em seguida, será enviado à Justiça.
O foco é apenas o crime ambiental. A PF apura se houve omissão de informações e falsificação de documentos para que a empresa pudesse renovar as autorizações para mineração de sal-gema realizada em Maceió entre as décadas de 1970 e 2019, que afetou o solo em 5 bairros e obrigou 60 mil pessoas a deixarem suas casas.
A conclusão do inquérito depende do resultado da perícia. Os trabalhos ainda continuam, sobretudo após o o rompimento de parte de uma das minas no início deste mês, dentro da Lagoa do Mundaú, uma das principais atrações turística de Maceió e que banha a região afetada.
Em nota enviada ao g1 a Braskem informou que está acompanhando a operação da PF e disse que "está à disposição das autoridades, como sempre atuou. Todas as informações serão prestadas no transcorrer do processo".
Os investigadores fizeram sobrevoos na região, visitas técnicas e colheram dados durante esse tempo. As investigações contaram com os trabalhos de peritos que atuaram nos desastres ambientais de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais e também com informações da Polícia Civil, Instituto do Meio Ambiente de Alagoas, Ministério Público do Estado e Ministério Público Federal.
Todas as informações sobre o inquérito estão em segredo de justiça. Foram cumpridos 14 mandados de busca e apreensão em Maceió (11), Rio de Janeiro (2) e Aracaju (1).
Em Maceió, um dos alvos é na sede local da Braskem, no bairro do Pontal da Barra. Os funcionários que chegaram para trabalhar foram impedidos de entrar no local.
No Rio, houve buscas em Copacabana, e um homem foi levado para a sede da PF. A corporação não havia informado o motivo da condução do homem até o local.
Omissão e uso de dados falsos
Segundo a PF, há indícios de que as atividades da Braskem na capital alagoana não seguiram os parâmetros de segurança previstos. Além disso, há suspeita de apresentação de dados falsos e de que informações foram omitidas dos órgãos de fiscalização, o que permitiu as atividades continuarem mesmo quando as minas já apresentavam problemas de estabilidade.
Os suspeitos podem responder pelos crimes de poluição qualificada, usurpação de recursos da União, apresentação de estudos ambientais falsos ou enganosos, inclusive por omissão, entre outros delitos.
Alvos
A jornalista Camila Bonfim teve acesso aos alvos das buscas, que compõem a direção, a área técnica e a gerência da empresa. Veja abaixo quem são:
Diretor industrial da Braskem: Alvaro Cesar Oliveira de Almeida;
Gerentes de produção: Marco Aurélio Cabral Campelo; Paulo Márcio Tibana; Galileu Moraes;
Responsáveis técnicos: Paulo Roberto Cabral de Melo; Alex Cardoso da Silva
A PF apura a atuação de empresas que prestavam consultoria pra Braskem: Modecon (RJ) e Flodim (SE). Todos os alvos de buscas também foram alvos de quebra de sigilo telemático, por meio do qual a PF poderá rastrear conversas por aplicativos de mensagem e por e-mail.
O g1 tenta contato com a defesa das pessoas citadas.
Rompimento de mina
No início do mês, uma das 35 minas abertas pela Braskem para retirar o minério ao longo dos anos, entrou em colapso e se rompeu, dando início a um novo episódio.
Segundo a última atualização da Defesa Civil, a mina 18 entrou em processo de estabilização. Também não foram registradas novas atividades sísmicas na região após o rompimento. Até o momento, não se sabe o diâmetro e a profundidade da cavidade após o colapso.
Uma das preocupações após o rompimento era a salinização da lagoa e como isso poderia afetar os organismo vivos que habitam nela. Porém, uma análise das primeiras amostras retiradas da Mundaú indicou que não houve alteração significativa na qualidade da água. A conclusão foi apresentada por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e do Instituto do Meio Ambiente (IMA).
O Senado instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o afundamento de solo. Os trabalhos devem começar a partir de fevereiro do próximo ano. A CPI terá até 120 dias, com possibilidade de prorrogação, para funcionar. A contagem de dias será paralisada durante o recesso legislativo, iniciado em 23 de dezembro.
Impacto social
O trecho em um raio de 1 km na lagoa Mundaú foi interditado para navegação logo após a divulgação do alerta de colapso, feita no dia 29 de novembro. Segundo a Superintendência Federal de Pesca e Aquicultura de Alagoas, a interdição continua e não há prazo para o fim da proibição.
Isso afetou a economia na região e a vida de aproximadamente 6 mil pescadores e marisqueiros que sobrevivem diretamente da pesca na lagoa e da extração de sururu, um molusco bastante consumido na gastronomia local.
Problema começou a surgir há cinco anos
Os problemas causados pela mineração começaram a surgir em fevereiro de 2018, quando surgiram as primeiras grandes rachaduras no bairro do Pinheiro, uma delas com 280 metros de extensão. No mês seguinte, um tremor de magnitude 2,5 agravou as rachaduras e crateras no solo, provocando danos irreversíveis nos imóveis.
Já no início de 2019, o piso de um apartamento no Pinheiro afundou de repente e assustou os moradores. Novos buracos surgiram e a Defesa Civil Municipal precisou evacuar um prédio e interditar uma rua por questões de segurança.
Meses depois, moradores do Mutange e do Bebedouro, bairros vizinhos, também relataram o surgimento de diversas rachaduras. Em algumas casas, o piso cedeu e as paredes apresentam grandes fissuras. Em maio de 2019, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão ligado ao governo federal, confirmou que a extração de sal-gema feita pela Braskem provocou a instabilidade no solo.
Foi somente em novembro de 2019 que a Braskem anunciou a decisão de fechar definitivamente poços de extração de sal-gema em Maceió. A partir dessa decisão, um trabalho foi iniciado pela mineradora para fechamento e estabilização de 35 minas com profundidade média de 886 metros na região do Mutange e de Bebedouro.
Desde então, mais de 14 mil imóveis precisaram ser desocupados, afetando cerca de 60 mil pessoas e transformando áreas antes habitadas em bairros fantasmas.
Um Programa de Compensação Financeira foi criado ainda no final de 2019 pela Braskem para indenizar os proprietários dos imóveis que tiveram que ser desocupados. Os moradores da região que discordavam dos valores oferecidos movem ação na Justiça contra a mineradora.
Ao longo do ano de 2023, moradores do Bom Parto que ainda vivem na borda da área de risco realizaram diversos protestos cobrando inclusão no Programa de Compensação Financeira da Braskem, mas a Defesa Civil Municipal afirmava que não havia risco para essas moradias.
Diante da situação, a Justiça Federal determinou que novos imóveis fossem incluídos no mapa de realocação, que prevê a retirada das famílias da área com risco de afundamento. Porém, a Braskem discordou da decisão e não cumpriu, o que levou o Ministério Público Federal (MPF) a ajuizar uma ação na 3ª Vara Federal em Alagoas, pedindo o bloqueio de R$ 1 bilhão de verbas da mineradora para o pagamento das indenizações aos proprietários dos imóveis que foram incluídos nas novas áreas de monitoramento. Por meio de nota, a Braskem informou que iria recorrer da decisão liminar.
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