"Fiquei emocionada quando vi o Nelson Sargento, compositor e presidente de honra da Mangueira, tomar a vacina. Me deu esperança de ter Carnaval de novo." É com otimismo que a costureira Alessandra Avelino, 40, sonha em retomar o trabalho nos barracões da Cidade do Samba, no Rio de Janeiro.
O cancelamento da maior festa popular do país em 2021 não deixa só os foliões tristes, mas impacta na vida de quem vive para manter o espetáculo de pé. Universa conversou com quatro costureiras, que produzem há anos fantasias para diversas escolas de samba do Rio.
"Eu não sou contra o cancelamento, vivemos uma situação grave de pandemia. Mas quem depende da festa para sobreviver passa por um sufoco danado", explica Vanessa Alcântara, 37. "Tive que escolher entre pagar as contas e fazer supermercado", exemplifica Roberta Ibraim, 37. A seguir, elas contam como vivem sem a folia como renda.
"Meu medo é não ter como alimentar meus filhos"
Alessandra Avelino, 40, trabalha há seis anos no Carnaval e nunca passou tanta necessidade como agora. "Minha esperança era que houvesse o desfile de julho. Agora não sei mais o que fazer. O auxílio emergencial acabou, e meu marido e eu não temos emprego. Meu maior medo é não ter como alimentar meus filhos", conta.
A costureira entrou no ramo convidada por uma colega da São Clemente, e lembra que apesar do trabalho cansativo de mais de 12 horas dentro dos barracões abafados e com pouca ventilação, sempre foi compensou.
"Em 2016, fui convidada a coordenar a produção da fantasia da ala das crianças na Mangueira. E morri de medo da responsabilidade", conta. Mas ao ver que seu trabalho foi um dos responsáveis pelo estandarte de ouro que a escola ganhou naquele ano, e que a casa estava com as contas pagas, sentiu orgulho de si mesma.
Seu faturamento médio, antes da pandemia, era de um salário mínimo e meio, mas sem os barracões, a renda desapareceu. "Vivemos apenas com o auxílio-desemprego e auxílio emergencial, que já acabaram. Agora contamos com a doação de cestas básicas de algumas ONGs. Não sei o que será de nós."
"A vida melhorou quando decidi fazer máscaras"
Vanessa Alcântara, 37, produz há 12 anos fantasias de Carnaval. Desde 2019, divide a tarefa com o trabalho em um ateliê de roupas infantis. "Eu sempre ganhei bem, economizo para não me prejudicar com os imprevistos que possam aparecer", diz ela. Com a pandemia, eles apareceram. As feiras de roupas de bebês foram canceladas e o ateliê fechou temporariamente.
"Fiquei em casa. Moro com a minha mãe, ela é pensionista, então não passei por grandes necessidades. Mas a situação só melhorou mesmo quando decidi confeccionar e vender máscaras com retalhos na porta de casa."
Ela não vê a hora de o Carnaval voltar, e não só pela renda. "Meu pai era compositor de samba na Unidos da Ponte, e eu o via chegar em casa toda noite com as letras rascunhadas em um papel."
Ela não hesita ao lembrar um de seus melhores desfiles na Sapucaí, como parte da equipe de apoio da Imperatriz Leopoldinense: "Em 2014, a Imperatriz homenageou o Zico, ex-jogador do Flamengo, e eu sou flamenguista doente. O ateliê do meu irmão confeccionou a roupa dele, e fiquei muito feliz de participar. No Sambódromo, chorei muito".
"Tive que escolher entre contas ou supermercado"
A situação de Roberta Ibraim, 37, diz ela, é difícil. Suas contas acumulam e ela se obrigada a escolher entre pagá-las ou ir ao supermercado quando o dinheiro aparece. "Eu achei que não ia resistir. Antes de conseguir o auxílio emergencial, eu fabriquei máscaras e trabalhei com manutenção de roupas. Só que não foi suficiente."
Ela já trabalhou em ateliês de lingerie e roupas para casamento, e, fora ou dentro do Carnaval, faturava mais do que um salário mínimo. Há 10 anos, tem orgulho de confeccionar fantasias. "Assim que termina o Carnaval, o trabalho recomeça. O carnavalesco, desenha as fantasias baseadas em seu enredo, que são entregues para a chefe de costura. Ela modela, corta e produz os protótipos", explica. Figurinos aprovados, começam as suas reproduções. É quando chegam as costureiras. "É neste momento que os barracões ficam agitados."
Ela e o marido foram morar com a sogra para poder alugar a casa deles, que era própria. "Achei que ia conseguir sustentar a minha família com essa fonte de renda, mas meu inquilino entregou a casa." Com a crise econômica e a convivência desgastada entre o casal, Roberta combinou com o marido que, até a situação melhorar, vai morar com a mãe dela.
"Decidi abrir meu próprio ateliê, mas não deu certo"
A vida de Karla Vanessa, 44, melhorou um pouco depois que recebeu o auxílio emergencial. Mas, prevendo o fim do benefício e a falta de trabalho, ela decidiu colocar em prática o seu sonho de construir um ateliê.
"Convidei a minha filha, e dividimos um espaço em dois: em um lado ela abriu o seu negócio, e no outro eu montei uma loja para vender minhas roupas. Infelizmente não deu certo. Mas eu não desisti, e levei a máquina de costura para trabalhar na cozinha de casa", conta. O filho, diz, foi morar com o pai durante a pandemia.
Costureira oficial da Grande Rio, ela passou a trabalhar como costureira para outros clientes. Com novo namorado, decidiram morar juntos na pandemia, e ele ajuda a pagar as contas da casa.
Fonte: UOL
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