05/04/2023 15:09:11
Brasil
Pescadora que ficou à deriva no AM se alimentava de peixe cru
De acordo com relatos da mulher à família e à polícia, o homem sofreu um infarto durante a pescaria
Divulgação/MarinhaHelicóptero da Marinha fez o resgate da pescadora no Rio Negro
Redação com G1

 A pescadora que ficou à deriva no Amazonas por quase uma semana se alimentava de peixe cru e chegou a defender o corpo do marido de urubus, segundo a família do casal. Maria das Graças Mota Bernardo, de 64 anos, foi resgatada na terça-feira (4) junto com o corpo de José Nilson de Souza Bernardo, 69, que teria sofrido um infarto enquanto pescava.

Ao g1, a filha do casal, Cristiane Bernardo, contou como a mãe sobreviveu e protegeu o corpo do marido, enquanto a embarcação em que eles estavam descia à deriva pelo Rio Negro.

De acordo com Cristiane, os pais dela saíram da Comunidade Carão, que fica perto da cidade de Novo Airão, para pescar por volta das 5h de quarta-feira da semana passada, 29 de março. Eles subiram o Rio Negro em direção a Novo Airão para pescar. "Quando chegaram lá, ele ainda botou a malhadeira (rede de pesca), pegou alguns peixes e colocou no gelo", contou.

José e Maria utilizavam duas embarcações. Uma maior era usada como abrigo, e uma outra menor servia para armazenar os peixes.

Conforme os relatos de Maria das Graças à família, por volta de meia-noite de quarta-feira, primeiro dia de pesca, José Nilson passou mal e morreu. "Eles andavam com um fogãozinho e uma botija. Eles jantaram, e ele foi deitar na rede. A corda da rede estalou e ele se espantou, gritou, levantou e bateu o joelho. Ele sentou na rede e começou a se abanar com pano. Ele dizia pra ela que estava com calor", disse a filha.

Maria das Graças contou à família que estranhou os comentários do marido, porque chovia no momento. "Ela disse que ele levantou, deu grito e caiu. Ele levantou da rede com dificuldade. Ela pegou, ela levantou a cabeça dele e ele deu o último suspiro", relatou Cristiane.

Segundo a filha, foi a primeira vez que a idosa saiu para pescar com o marido. "Eles tinham planejado essa viagem há meses. Ele queria levar ela para bater fotos. Ia ser o momento deles", contou.

Alimentação

Cristiane contou que, nos primeiros dias, a mãe se alimentou de peixe cru e farinha. "Como acabou, um dia ela só bebeu água. Noutro dia, ela só comeu farinha com água e tomou suco de limão puro", disse.

No terceiro dia, um senhor passou pela embarcação em uma rabeta - canoa com motor. "Ela pediu ajuda. Ele simplesmente não deu ajuda, continuou seguindo", relatou. Já à deriva, Maria das Graças decidiu bater as panelas, com o intuito de ser ouvida. "Gritava e ninguém respondia", disse.

Quando o corpo de José Nilson começou a entrar em decomposição, Maria decidiu ir para o outro lado da canoa e amarrou um pano na boca. "Ela começou a remar. Não conseguia mais dormir. A força dela era para trazer o corpo dele pra casa, trazer pra família, pra dar um enterro digno pra ele", contou Cristiane.

Maria passou a "conversar" com o marido. "Pra dar força", disse a filha.

Sob sol e chuva, a aposentada também precisou defender o corpo do marido de animais. "Ela disse que os urubus começaram a sentar em cima da canoa. Ela batia, ela gritava. Ela botou lençol nele. Tira a lona de cima do toldo e botou nele, porque as abelhas e os mosquitos já estavam sentando no corpo dele", contou.

Maria também contou, à família, que jacarés rondaram a embarcação.

Antes de ser encontrada pela Marinha, Maria amarrou uma corda ao próprio corpo. "Ela sabia que a qualquer momento, ela poderia cair para dentro da água e ela não sabe nadar", disse a filha.

Sem dormir

A filha contou que a mãe está debilitada e abalada. "Não consegue dormir", afirmou Cristiane.

Encontrada à deriva

A Marinha localizou a embarcação com o casal na manhã de terça-feira (4), à deriva no Rio Negro, perto da região de Iranduba (a 27 quilômetros de Manaus).

O helicóptero da Marinha fez o resgate de Maria das Graças por meio da técnica de helocasting (onde o tripulante de resgate é lançado na água e segue a nado para a embarcação).

Conforme a Marinha, a mulher recebeu os primeiros socorros e atendimento e depois foi helitransportada até Manaus, onde foi encaminhada para hospital de referência da rede pública de saúde. Na manhã desta quarta-feira, Cristiane contou que a mãe já recebeu alta.

O corpo de José Nilton foi transportado pelos Bombeiros ao necrotério do hospital de Novo Airão. A família tenta transferir o corpo para Manaus, onde planeja fazer o sepultamento.

A Marinha informou que será instaurado Inquérito para investigar o caso.

O caso

José Nilson e Maria Graça saíram para pescar na virada da noite de terça (28) para quarta (29) e iriam retornar na quinta (30).

O casal utilizava duas embarcações durante a pescaria. Um barco que servia como base para os dois, e uma canoa menor era utilizada pelo casal para auxiliar na pescaria na parte baixa do igapó - uma região de floresta alagada.

Como os pescadores não retornaram, parentes e vizinhos começaram a fazer buscas pelos dois, quando encontraram a embarcação menor amarrada a uma árvore com alguns peixes podres dentro. As malhadeiras - redes de pesca - também estavam no local, estiradas na água.

Logo após o desaparecimento ser registrado pela Polícia Civil, a Marinha intensificou as buscas, com apoio do Corpo de Bombeiros, até a localização do casal.

Depois da morte do marido, Maria das Graças decidiu amarrar a canoa de peixes em uma árvore. Essa é a embarcação encontrada por moradores logo após o desaparecimento do casal.

Conforme os relatos, a mulher também precisou se desfazer do fogão. "O fogão engatou no mato. Ela cortou a mangueira e jogou o fogão para dentro da água", contou a filha.

A idosa decidiu buscar ajuda, mas o motor da embarcação que servia de abrigo travou. "Ela foi para a proa e começou a remar. Ela passou esses dias remando", disse.

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