A proibição dos telefones celulares nas escolas, que o Ministério da Educação deseja aprovar na Câmara, deve valer para todos os ambientes dos colégios, e também no intervalo para o recreio. Os aparelhos só poderão ser usados quando houver autorização dos professores para tarefas especiais em classe, como já está em um projeto em tramitação, que o MEC deve aproveitar para aprovar a restrição. A proibição é apoiada por oito a cada dez brasileiros, para quem menores só deveriam ter celulares a partir dos 13 anos, segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva e QuestionPro.
O projeto na Câmara, que tem como relator o deputado federal Diego Garcia (Republicanos-PR), diz que que “o porte e o uso dos aparelhos eletrônicos portáteis pessoais” estão proibidos para alunos da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. Mas há a possibilidade de expandir o banimento para outras etapas escolares.
O secretário municipal de Educação do Rio, Renan Ferreirinha, também deputado federal pelo PSD, defende que o aparelho seja vetado até para o ensino médio ou pelo menos para a segunda etapa do ensino fundamental (até 9º ano). De acordo com a pesquisa TIC Educação 2023 do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), 42% dos colégios até o 5º ano do ensino fundamental já tomaram essa medida. Entre os que têm até o ensino médio, esse índice cai para 7%.
"Eu defendo a medida para a educação básica toda. Ou pelo menos até o ensino fundamental dois (do 6º ao 9º ano), porque dá muito certo. Estamos vendo isso no Rio. A experiência entre essas duas etapas é parecida. É preciso mais diálogo e conscientização, mas é possível", afirmou Ferreirinha, que implementou a medida neste ano na rede carioca.
Também há uma grande chance de que a proibição de levar o aparelho para a escola, prevista no texto atual, seja retirada. Na avaliação dos deputados — corroborada por professores, grandes defensores do fim dos eletrônicos nas aulas — os pais querem que seus filhos estejam com seus celulares depois da aula, até como medida de segurança dos jovens.
O projeto no Congresso também impede o uso do aparelho no recreio, mas libera o celular “para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, conforme orientação do docente e dos sistemas de ensino”.
Uma ala de deputados bolsonaristas defende a inclusão no texto relatado por Garcia de medidas punitivas para os estudantes que desrespeitarem a proibição. Esse ponto, no entanto, gera grandes divergências entre os integrantes da Comissão de Educação da Câmara. Na quarta-feira, uma discussão acalorada tomou conta de um café organizado pelo presidente da comissão, Nikolas Ferreira (PL-MG), que tentava um acordo entre os deputados.
Na avaliação de Rafael Brito (MDB-AL), presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação, o projeto, sem essa inclusão, já daria força para as escolas decidirem o que fazer com quem não cumprir a medida.
"Vai punir um menino de 12, 13 anos, como?", diz o parlamentar, que defende a proibição. "Já há uma série de países que tomaram essa medida e tiveram êxito. Se não fomos pioneiros, podemos aprender com os que deram esse passo antes."
O MEC ainda debate internamente a sua posição, mas já desistiu da ideia original de apresentar um novo projeto ao Congresso. A pasta avalia modelos no Brasil e no exterior para definir o melhor formato, mas ainda não chamou a Comissão de Educação da Câmara para a conversa, o que tem incomodado parlamentares.
O tema estava adormecido no Legislativo desde o ano passado e foi resgatado pelo ministro Camilo Santana que, em setembro, anunciou a formulação de um projeto de lei para a proibição de celulares nas escolas. A partir daí, os integrantes da comissão aceleraram as negociações do texto, sem a participação do MEC.
Na quarta-feira, Nikolas chegou a afirmar que a votação teria sido nessa semana, caso a Casa não estivesse esvaziada. Agora, o projeto não deve ser analisado antes do dia 23, na próxima sessão da comissão, ou depois do segundo turno das eleições. A ideia é que o texto saia do colegiado para a Comissão de Constituição e Justiça e depois direto para o Senado, sem passar pelo plenário da Câmara.
"A lei para banir celulares nas escolas é triste, simboliza o fracasso da sociedade, mas é acertada. Há uma epidemia do uso por crianças e adolescentes que afeta não só a aprendizagem, mas também está associada a distúrbios emocionais", avalia Fabio Campos, pesquisador do TLTL, o Laboratório de Aprendizagens Transformadoras com Tecnologia, da Universidade de Columbia, dos Estados Unidos.
De acordo com Renato Meirelles, fundador do Instituto Locomotiva, a proibição é defendida por pais de alunos das escolas da periferia e também da elite. O levantamento aponta que não há diferença entre classes na percepção dos danos que o uso excessivo dos celulares podem causar em crianças e adolescentes.
"Vivemos hoje uma situação em que as pessoas estão mais sozinhas mesmo em grupos. É comum ver uma série de adolescentes reunidos cada um no seu celular", afirmou Meirelles.
A pesquisa do Locomotiva e da QuestionPro aponta que sete em cada 10 brasileiros acreditam que a idade ideal para ter o primeiro celular é a partir dos 13 anos. O levantamento apontou que 86% concordam que celulares podem prejudicar o desenvolvimento das crianças, afetando a aprendizagem e a socialização.
Os efeitos negativos percebidos incluem o vício (75%) e implicações na saúde mental, como aumento da ansiedade e depressão (71%), problemas de sono (70%), desempenho escolar (68%), relações sociais (54%) e exposição ao cyberbullying (50%).
"Só a lei não vai resolver o problema. Ela precisa ser acompanhada de uma série de soluções para a conscientização das famílias e a formação de professores. O MEC pode dar diretrizes sobre o que o professor precisa saber para usar a tecnologia em sala de aula", aconselha Campos.
Os problemas apontados pela pesquisa foram vividos em parte no cotidiano de Renata Miranda, de 37 anos, e o seu filho João Arthur, de 13. O menino costumava preferir o celular a qualquer outra atividade, mesmo ficando irritadiço com o uso prolongado. Por causa de uma partida on-line, o menino teve um ataque de fúria e quebrou o aparelho com o joelho. Foi quando a família e o menino reconheceram que havia um problema.
"A conversa foi longa, honesta e sincera. Nos comprometemos a mudar os hábitos de todos. E ele aceitou o castigo de nunca mais jogar", conta Renata.
O tempo no celular passou a ser usado em outras atividades. Arthur começou a andar de bicicleta com o pai em longos passeios, passou a levar os treinos de judô a sério, melhorou o desempenho em Matemática e a liderar grupos escolares.
"Para essa mudança, tivemos que observar que a culpa acabava de todos", diz a mãe.
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