Em 2006, Danilo Duarte começou a atuar como figurante e ajudava a contar a história cristã sobre a vida, a morte e a ressurreição de Jesus. Era o sonho dele de criança se tornando realidade. O tempo passou e ele continuou a participar do espetáculo interpretando pessoas com destaque na narrativa. Numa crescente que, geralmente, costuma acompanhar os que persistem, o sonho foi tomando formas de profissão e, este ano, ele assumiu a direção de um dos mais tradicionais e conhecidos espetáculos da Paixão de Cristo de Alagoas realizado, há mais 30 anos, na cidade de Santa Luzia do Norte.
O jovem diretor é estudante do curso de licenciatura em Teatro da Ufal e um apaixonado pela arte de interpretar. Ele reside no município que integra a região da Grande Maceió e acompanhou as diversas fases pelas quais passou o espetáculo. Quando nem imaginava que teria a oportunidade de dirigir a peça, ele recorda que já costumava palpitar bastante durante os ensaios. “Acredito que por amar tanto o teatro, e querer ver de forma bem-feita, eu sempre procurava dar palpites, mesmo antes de iniciar o curso, quando apenas fazia parte da figuração”, conta.
Agora, responsável de fato pela direção, ele não esconde a expectativa para o início do período das apresentações, de 6 a 8 de abril, durante a Semana Santa de 2023. “Nossa Senhora, eu tô nervoso já faz uma semana”, conta aos risos. E a razão do nervosismo tem a ver com o desejo de que tudo ocorra bem. “Mesmo a gente tendo uma expectativa de receber um público grande, a minha maior expectativa é de ver o espetáculo acontecer, mas acontecer mesmo de forma belíssima, encantando o público”, almeja. E detalha: “Ver os olhos fixos de cada pessoa, em cada cena, encherem de lágrimas, e, mais ainda, ver o elenco feliz pelo trabalho realizado, vendo o quanto valeu a pena todo o esforço”.
Quem já assistiu, garante que a forma como o enredo é apresentado emociona, especialmente, por ser contado por meio da dedicação e do sentimento dos moradores da própria cidade. Todos os anos, são muitas as pessoas de diversos pontos de Alagoas que visitam o município para assistir.
Por causa da pandemia do novo Coronavírus, foram três anos sem apresentar a história que tanto comove a humanidade. “Esse será meu segundo ano dirigindo. No primeiro ano em que iniciei, não houve apresentação porque foi justamente no período que iniciou o distanciamento social por conta da covid-19”, relembra. Com a possibilidade de receber os espectadores novamente, é grande a motivação do elenco. “Este ano, estamos realizando um belíssimo trabalho e tenho certeza que irá encantar ainda mais o público. Nosso espetáculo é formado por pessoas simples, que no seu interior existe um amor verdadeiro e profundo pela arte e que, mesmo sem estudar para isso, exerce muito bem a função de atores e atrizes”, destaca Danilo.
A apresentação é realizada em um cenário aberto, ao ar livre, e com entrada gratuita. Para conseguir dar conta dos desafios da direção, Danilo ressalta o quanto o conhecimento adquirido na Universidade o tem ajudado. “Nossa! Digamos que 100% do trabalho realizado no espetáculo, este ano, vem dos meus estudos, do que aprendi na Ufal, sobre técnicas teatrais, estudos corporais e de expressão que foram vivenciados nas aulas, até mesmo o entender do surgimento desse tipo de teatro. Isso tem feito toda a diferença”, afirma.
Durante os ensaios, ele faz questão de explicar e compartilhar o saber conquistado na Universidade. “Fui aprender nas aulas essa importância que é o teatro e faço questão de passar para o elenco. Preparar uma equipe com conhecimento na área é totalmente diferente, além de transmitir para eles a seriedade no que está sendo feito. Isso dá mais segurança e vontade de fazer”, justifica.
Realizar um espetáculo de tal tamanho e complexidade não é fácil. As limitações são muitas, seja pela falta de recursos, de apoio ou pelo baixo engajamento de pessoas com interesse em participar. No entanto, Danilo garante que vai persistir com seu cuidado e sua responsabilidade para com essa arte do município. “O meu pensamento sobre o fazer teatro é que eu acredito que o público precisa ver o melhor de nós. Deve ser realizado em sua máxima perfeição. Teatro é uma brincadeira séria, na qual divertimos, mas levamos uma mensagem, alertamos o público de algo, salvamos a sociedade de muitas coisas e situações”, acredita.
Dirigindo um elenco formado por pessoas que não têm o ato de atuar como profissão, ele conta que busca passar para a equipe “o poder que cada um pode ter ao subir no palco”. “É como uma criança que brinca de super-herói. Por mais que os adultos vejam, acreditem e tenham a certeza de que é uma brincadeira, para a criança existe uma verdade, ela chega a ter superpoderes. É o instinto de teatralidade que há em todos nós, como dizia o russo Nicholas Evreinov [importante diretor e dramaturgo]”, argumenta.
Teatro como primeira opção
Diante das possibilidades para escolher uma profissão, a certeza de Danilo era a de nunca se imaginar fazendo algo que não fosse relacionado à arte. O curso de teatro sempre foi sua primeira opção. “Lembro de quando, junto aos meus amigos, fomos escolher o curso para prestar o vestibular em 2008, eu não conseguia me encontrar em outro curso a não ser o teatro. Sempre desejei fazer, já fazia cursos na comunidade e desde cedo me apaixonei por essa forma de fazer arte. Fui muito criticado por isso, mas sempre prezei em fazer o que me faz bem, o que gosto”, recorda.
Ele iniciou a graduação em 2009, mas estudou apenas um ano e foi viver em um convento local. Tal período serviu para deixar ainda mais certa qual era a sua vocação. “Após essa experiência religiosa, percebi que não posso viver outra coisa a não ser mergulhado na arte. No ano de 2018, ingressei novamente no curso de licenciatura em Teatro na Ufal por meio do Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Já concluí todos os períodos e estou realizando a pesquisa do meu TCC [Trabalho de Conclusão de Curso] que é, justamente, sobre o espetáculo Paixão de Cristo de Santa Luzia do Norte”, relata.
Duarte já leciona, é professor de artes na rede municipal de Santa Luzia do Norte. Além das aulas, dirige alguns espetáculos teatrais em uma escola estadual localizada no município. “Tenho tentado mostrar para meus alunos esse poder da arte, esse poder transformador que todas as artes possuem”, diz.
A experiência adquirida na vivência religiosa ele compartilha com os membros na Comunidade Terapêutica Mãos de Alagoas, situada também na cidade, que acolhe dependentes químicos. No local, ele realiza o trabalho de conselheiro espiritual e também algumas oficinas de artesanato. “Busco motivar para continuarem fazendo esse trabalho, pois o artesanato, além de ocupar nossa mente, nos dá a possibilidade de entender formas de recomeçar a vida social e até mesmo financeira”, afirma.
Danilo se apresenta como um artista que não se priva das possibilidades e vai caminhando em várias frentes: atua, canta, fotografa e dirige. Para ele, mais do que a realidade de sua profissão, a arte é a sua forma de viver. “Eu nasci na arte. Nasci em uma família de artesãs. Então, eu sempre fui um admirador da arte de forma geral, mas me encontrei de verdade no teatro. A cada ano no curso da Ufal, esse amor foi crescendo e, hoje, eu vejo o teatro como uma das maiores forças de expressão artística, ele me permite ‘ser!’”, reflete. E declara: “A vida sem a arte não basta. Precisamos delaassim como precisamos do ar para respirar. Ouvi isso de um artista, não me recordo o nome, e é a pura verdade. Nós seres humanos somos artistas e precisamos usar dela para espalhar amor para esse mundo tão cheio de ódio”.
E ele quer desbravar ainda mais as oportunidades, inclusive, mostrando para outras pessoas o poder transformador das diversas manifestações artísticas. “Eu não me contento com o que eu já fiz de teatro, principalmente, em minha cidade. Eu quero mais, muito mais. Acredito muito que o teatro, a arte, mudará muita coisa em Santa Luzia, no mundo...”.
Tradição
O município de Santa Luzia do Norte sedia o espetáculo da Paixão de Cristo desde 1990. No início, não havia um local específico e a encenação acontecia em frente à Igreja Matriz, à sede da prefeitura, do posto de saúde central e também em terrenos de particulares. Quem fosse assistir, precisava se deslocar e acompanhar toda movimentação do elenco. Ao longo de mais de três décadas, o espetáculo acumulou história e já contou com a participação de profissionais de renome do teatro alagoano, a exemplo do diretor Alberto do Carmo, do ator Régis de Souza e da atriz Diva Gonçalves.
“Iniciamos nossa peça no mesmo estilo das primeiras apresentações da Paixão de Cristo, ainda na Idade Média, nas ruas da cidade, nos principais pontos dela. Hoje, o espetáculo acontece em um espaço próprio para a encenação, porém não nos pertence”, conta Danilo.
O estudante da Ufal começou a participar em 2006. Desde então, ele faz parte de um grupo de entusiastas que luta, a cada ano, pela realização e pela continuidade do espetáculo. Atualmente, ele divide a direção com Jorge Fidélis, presidente da Sociedade Teatral Cidade Santa, entidade responsável pela realização da peça.
“Eu sou muito suspeito para falar sobre a Paixão de Cristo de Santa Luzia do Norte, pois eu sou apaixonado por esse espetáculo. Ele é quem sustenta a cultura e a arte do município, mesmo que não seja visto, ainda, como nossa maior riqueza. Estamos há mais de 30 anos levando arte para a vida de tantas pessoas de forma belíssima. Eu desejo que as pessoas, principalmente [do município] de Santa Luzia, vejam a riqueza que temos em nossa cidade”, ressalta Danilo.
Os três anos de pausa por causa da pandemia mexeram com a organização do evento. Uma das principais dificuldades foi conseguir mobilizar as pessoas a voltarem a participar, pois, como não há remuneração, é preciso contar com a disponibilidade de cada integrante. “Passamos por um grande desafio de reunir todo o elenco depois desse tempo em que ficamos parados. Hoje, contamos com um elenco formado por 100 pessoas, mas já chegamos a ter mais que o dobro de pessoas”, relata o jovem diretor.
A esperança e o trabalho de Danilo estão voltados para fazer o espetáculo crescer em número de participantes e também na conquista de uma estrutura física adequada para realizar os ensaios e preparar o elenco, uma vez que tudo é feito no espaço aberto onde ocorre a peça. “Tenho certeza que quando conseguirmos realizar tudo isso certinho o espetáculo crescerá ainda mais”, confia.
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