Imagine um caminhão Scania cor-de-rosa equipado com cozinha, televisão, aparelho de DVD e até babyliss para cachear os cabelos. Caso um dia você passe pela estrada e se depare com um veículo nesse estilo com a estampa “Sheila Transportes”, saiba que provavelmente quem está ao volante é a gaúcha Sheila Rosa Marchiori, conhecida como Sheila Bellaver, de 38 anos.
Ela trabalha como caminhoneira há 11 anos e transporta frutas e verduras por várias unidades federativas do país, como São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal. Com o tempo, passou a exibir sua vida pessoal e profissional na internet e estrelar publicidades de empresas diversas. Sheila acumula mais de 2 milhões de seguidores no Instagram.
Na rede social e no YouTube, ela mostra sua rotina como motorista de caminhão, onde passa de 24 a 48 horas, a depender do dia e das demandas. Sheila explica que começou a gravar vídeos porque soube que “dava dinheiro”. Hoje, embolsa mais como influenciadora do que como motorista, com os conhecidos “publis”. “Anuncio de tudo: pneu, roda, acessórios, roupas, biquínis, lingeries, aplicativos de carga…”, conta, em entrevista ao Metrópoles.
Por não poder deitar em uma cama em boa parte da semana, Sheila prima pelo conforto nos três veículos de sua frota. “Lá, tem tudo que você imaginar. Televisão, geladeira dentro, geladeira fora, DVD”, orgulha-se.
Família
São muitas paradas pelo caminho e pouquíssimas horas de sono para sustentar seus quatro filhos: os gêmeos Vitor e Vinicius, 21 anos; Gabriely, 20; e Bernardo, 4. “Eu não durmo, né”, relata, sorrindo. “A gente que transporta fruta e verdura só dorme quando chega. São 11 anos dormindo direito duas noites por semana e olhe lá, teu organismo até acostuma.”
A filha, Gaby Franciscon, é sua companheira de viagem e ajuda a mãe no trabalho. A vontade dela é também dirigir em breve, com os “treinos” da matriarca. “Logo, ela vai viajar também!”, diz a caminhoneira, que é separada.
Sheila escolheu a cor rosa devido à sua trajetória. Nascida e criada em Lagoa Vermelha, a cerca de 280 quilômetros de Porto Alegre (RS), sempre quis dirigir caminhões. Nas próprias palavras, “casou-se criança”, e o sonho acabou adiado por causa das responsabilidades com a casa e os filhos. Aos 27 anos, ela começou a conduzir veículos pesados.
“O rosa representa para mim um marco de uma mulher vencedora, que veio do nada, do interior, e hoje tem suas próprias coisas. É, sim, um marketing, mas também um símbolo da mulher em um mundo masculino”, ressalta.
Até hoje Sheila fica maravilhada quando conduz e estaciona para descansar. Ela fala sobre a emoção da primeira vez em que pegou a estrada, em 2010. “Na época, fiquei com as luzes ligadas, vendo tudo que tinha dentro. Era uma realização, percebi que era possível estar em um caminhão ‘top’, todo esportivo, vindo de uma família em que ninguém sabia dirigir. A sensação surreal que eu tive quando parei para dormir naquele dia não saiu mais da minha cabeça”, diz.
Histórias por aí
Com tantos anos na estrada, Sheila coleciona amizades, uma vez que tem de parar em muitos lugares para abastecer, descarregar e descansar. “É buzina dia e noite na estrada! Já viajei por uns 70% do Brasil. Então, quando paro, conheço pessoas e encontro famílias de amigos pelo país afora. Tem gente que me acolhe, cuida de mim, me leva comida. Conto com muitas regalias por causa de amigos”, brinca.
Mas também há fatos que Sheila não gostaria de lembrar. Um deles foi um acidente que ela sofreu em uma estrada em Caxias do Sul (RS), às vésperas do Natal de 2017. Com a pista escorregadia, o veículo derrapou e ficou “pendurado” em um viaduto. “Foi uma coisa muito assustadora, até hoje eu passo por lá e a cena é muito real. Me marcou muito, de forma negativa. Fiquei aterrorizada, com síndrome do pânico”, recorda.
No início da trajetória, Sheila não imaginava o que significava dirigir o caminhão, mas sabia que era isso que queria fazer. “Hoje, sinto o que eu deveria ter sentido nas primeiras viagens: medo, insegurança, noção do perigo. Eu não sabia o que podia acontecer comigo, a sensação era só de coisa boa. Só queria realizar meu sonho, mas com o tempo fui vendo como funciona.”
Machismo e vaidade
Tradicionalmente, associa-se a figura do caminhão ao universo masculino, por ser um veículo pesado e que exige “força no pedal”, o que as mulheres não teriam por serem “frágeis”, sob uma perspectiva machista. Além disso, pensa-se em pessoas cansadas, que não têm tempo para cuidar de si próprias. Sheila, entretanto, quebra esses paradigmas.
Vaidosa, ela exibe um megahair loiro e várias tatuagens pelo corpo. Sempre que pode, tira um tempo na agenda para fazer manutenção dos cabelos e pintar as unhas. Além de possuir visual marcante: top cropped, calça legging ou jeans justo e tênis, na maioria das vezes.
Sheila também já colocou próteses de silicone nos glúteos, mas não se adaptou e fez um explante em 2019. “Me doía as costas, trabalho muito sentada. Não me identificava mais”, esclarece.
E são justamente a beleza e as conquistas que atraem comentários maldosos nas redes sociais. Mas Sheila diz não se importar. Ela prefere dar ouvidos à estrada. “Eu não estou aqui para brigar, e sim para fazer história. É muito seguidor, tem dia que fica estressante, não consigo dormir. Na estrada, é só amor que eu recebo. Mas nas redes há muito ‘fake’, estas pessoas querem te atingir por ali. Por isso, só ignoro e continuo pelo caminho certo”, assinala.
Para Sheila, a realização de sonhos e as projeções futuras são o que mais importam. “O que me move é meu sonho! A meta que eu tracei para a minha vida. O meu futuro é esse, dar a vida que eu não tive para os meus filhos. Sou mãe e pai de uma família. Penso em ver minha família bem longe da pobreza e da miséria que eu enfrentei há muito tempo”, finaliza.
Fonte: Metrópoles
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