O MP (Ministério Público) de Alagoas solicitou a abertura de um inquérito policial para investigar a prática de crime falimentar cometido durante a recuperação judicial da OAM (Organização Arnon de Mello), que congrega as empresas de comunicação da família Collor de Mello em Alagoas.
No parecer enviado à Justiça no dia 11, o MP apontou uma série de irregularidades, entre elas os "empréstimos" feitos aos sócios durante o período da recuperação em um valor total de R$ 6,4 milhões.
Os valores foram "emprestados" pela TV Gazeta de Alagoas, afiliada da Globo no estado. A suspeita é que se trate de uma retirada de lucro simulada —essa distribuição é vedada em fases de recuperação.
O promotor Marcus Aurélio Gomes Mousinho, que assina o parecer, pede que uma nova assembleia geral de credores seja realizada e que a anterior, que aprovou o plano, em 13 de julho, seja anulada.
Após a aprovação de um plano que previa até quase 99% de desconto nos débitos (veja mais detalhes abaixo), credores produziram um dossiê com uma série de irregularidades, que foi entregue ao MP.
Devido à lista de irregularidades apontadas, o MP também viu a necessidade de mudar da empresa designada para administração judicial da recuperação, que teria sido negligente diante de eventuais ilegalidades cometidas pelo grupo.
Empréstimos e o senador Collor
A coluna teve acesso ao parecer do MP, que cita nominalmente o senador Fernando Collor (PTB-AL) como beneficiário histórico dos empréstimos.
"Após investigação policial para a Operação Politeia, desdobramento da Lava Jato que averigua a prática de suposta corrupção do senhor senador Fernando Collor, foram apreendidos documentos que demonstram a realização de 'empréstimos' aos sócios desde 2011", diz o documento.
À época, lembra Mousinho, os investigadores destacaram que, "além dos carros e imóveis de luxo, mais de R$ 16 milhões foram utilizados com despesas pessoais, o que é ainda mais relevante por dificultar a sua restituição".
Sobre os empréstimos recentes na OAM, ele cita que do início da recuperação judicial em 2010 até março de 2022 "houve um aumento de R$ 6.197.381,11 na rubrica em questão" e que "tal informação não foi percebida pelo Administrador Judicial".
Com base nessa informação, ele aponta que a Lindoso e Araújo Consultoria Empresarial deixou "de cumprir os deveres impostos pela legislação" e pede que ela seja substituída no processo por "evidente negligência".
A coluna procurou José Luiz Lindoso, responsável pela empresa. Ele disse que vai "aguardar o pronunciamento da empresa em recuperação judicial antes de nos pronunciarmos".
"Contudo, registramos desde já que falamos inicialmente sobre o ocorrido na assembleia e que estamos à disposição da Justiça e dos credores para dar a melhor solução para o caso concreto. Esclareço ainda que não houve apreciação pelo juízo sobre o tema", afirma.
"Compra" de votos
Outro ponto apontado como passível de irregularidade foram os votos dados em nome de credores trabalhistas pelo advogado Felipe Nobre, que "atuou para as recuperandas durante anos em diversas demandas, inclusive, meses antes do pedido de recuperação judicial".
O fato que chamou a atenção, diz, é que o advogado também representa familiares do maior acionista das empresas. "Ainda mais, também se verifica que recentemente foi acostado aos autos um relatório sintético de fornecedores da TV GAZETA DE ALAGOAS LTDA, no qual consta o nome do referido causídico cujo valor a receber é de R$ 356.169,19", cita.
Felipe deu 118 dos 122 votos favoráveis ao plano apresentado aos credores trabalhistas. Foram 78 votos contrários.
O promotor ainda cita que outra advogada que é parceira de Felipe também teria atuado na área trabalhista como preposta das devedoras "já no decorrer do processo recuperacional". "Isso é, no mínimo, de se estranhar", diz. "Se trata de um possível conflito de interesses e suposta simulação de votos que devem ser investigados."
Segundo denúncia de credores, houve um acerto por fora do plano para que trabalhadores recebessem parte do valor devido para assinar uma procuração dando poder de voto para a OAM.
Um dos credores confirmou o acordo e chegou a detalhar à coluna como ocorreu a negociação: "Ofereceram 50% do valor devido em duas parcelas; a primeira à vista, de 80% do total. E outros 20% para quando o plano fosse aprovado pela Justiça".
"Por estes fatos e argumentos expostos, na função de fiscal da lei, pugno pela instauração de inquérito policial para uma melhor apuração da possibilidade de ocorrência dos crimes falimentares previstos nos artigos 168, §2º; 168 §3º; 171; 172; 173 e 175 da Lei 11.101/2005".
Em agosto, a coluna procurou Felipe Nobre, mas ele não quis conceder entrevista e disse que tinha prestado serviço para a OAM havia cerca de oito anos.
Outros pedidos
O promotor ainda aponta que, diante de tantas possíveis irregularidades, o juiz verifique a possibilidade de "destituir a administração da empresa".
"Verifica-se que descapitalizar a empresa injustificadamente ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular, também enseja o afastamento dos administradores, situação que se configura com os repasses aos sócios acima relatados, pugnando o Ministério Público Estadual, nesse sentido."
Por fim, defende que seja convocada uma nova assembleia geral de credores para deliberar sobre o tema.
A definição sobre a aprovação ou não do plano e da investigação está agora nas mãos da 10ª Vara Cível da Capital.
Proposta danosa a trabalhadores
A assembleia geral de 13 de julho foi marcada por reclamações de credores trabalhistas. A proposta aprovada no final limitou o valor pago pelas empresas da família Collor aos trabalhadores a um teto de dez salários mínimos (R$ 12.120). Na lista, porém, há pessoas que têm débitos referendados na Justiça do Trabalho superiores a R$ 1 milhão após mais de 30 anos de serviço e verbas não pagas —e que terão direito a 1% do valor total devido.
Durante a assembleia, credores reclamaram que no plano aprovado não há qualquer menção de como a empresa pretende recuperar os valores junto aos sócios, nem como liquidar os valores junto ao Fisco (que é outra exigência para a Justiça aprovar o plano).
As supostas irregularidades do grupo nos últimos anos foram alvo de reportagens no UOL, que revelaram, por exemplo, que os sócios pegaram R$ 125 milhões em "empréstimos" da TV Gazeta até 2019 e nunca pagaram nada de volta. O valor corrigido daria para pagar mais de duas vezes os débitos inscritos na recuperação judicial. Em junho, esse valor já era de R$ 131 milhões.
O fato chama a atenção devido à dívida das empresas do grupo com trabalhadores, fornecedores e com o Fisco federal. Somente à União, as empresas do grupo deve 387 milhões, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Empresas nessa condição não podem fazer retirada de lucros e dividendos, visto que elas não cumprem as obrigações legais. Para burlar a regra, credores e advogados suspeitam que havia uma distribuição de "lucros" disfarçada, já que a empresa em momento algum afirmou como iria cobrar os valores devidos dos sócios.
Procurada novamente, a OAM não retornou o pedido de manifestação sobre o parecer do MP. O senador Fernando Collor diz que não comenta casos ligados à recuperação judicial das empresas do grupo.
Durante sua campanha a governador, ele chegou a ser questionado sobre o tema e disse que as empresas passaram por dificuldades "como tantas outras" e entraram em recuperação. Disse também que foram elas as responsáveis por Alagoas pagar o maior piso a jornalistas do país —hoje fixado em R$ 4.420,07.
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