Poucos estrangeiros se atreviam a aceitar uma proposta de trabalho na Guiana até pouco tempo atrás. A vida nunca foi fácil na ex-colônia britânica, vizinha do Brasil e da Venezuela. As ruas de terra, transporte caótico e animais soltos não animavam ninguém.
Recentemente, no entanto, essa realidade começou a mudar. As vacas e galinhas, herança da imigração indiana, continuam passeando nas ruas, cheias de vendedores de especiarias e peixe fresco, mas as perspectivas de crescimento econômico são inigualáveis.
Mesmo em meio à crise do coronavírus, que deve fazer o PIB mundial retrair pelo menos 5% este ano, a economia da Guiana deve crescer 86%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), na maior expansão a ser registrada em 2020. Com a população de apenas 800.000 habitantes dividida entre a zona rural, o litoral e as cidades, o país, por sinal, tem menos de 700 casos da covid-19.
A Guiana sempre foi considerada um dos países mais pobres do mundo, com a economia baseada no cultivo da cana-de-açúcar, na extração de minérios e na pesca. Este ano, deverá dar um salto de expansão econômica poucas vezes visto no mundo. A renda per capita, de 5.200 dólares, deve dobrar.
Engenheiros americanos e de outros países têm recebido convites irrecusáveis para trabalhar na Guiana. Muitos aceitaram ofertas da ExxonMobil e outras petroleiras que se instalaram no país recentemente.
Há alguns anos, foram descobertas enormes reservas de petróleo no litoral do país, a menos de 200 quilômetros do continente, no mar do Caribe. Em dezembro do ano passado, a ExxonMobil deu início à exploração do petróleo. Segundo o Credit Suisse, a companhia deve extrair 750.000 barris de petróleo por dia. Até o final da década, deverão ser obtidos 1,2 milhão de barris por dia.
“É muita coisa”, diz a americana Lisa Viscidi, diretora de energia e mudanças climáticas do instituto The Dialogue, dedicado a estudos econômicos e geopolíticos na América Latina. “Resta saber se o país terá condições de absorver e usar corretamente a súbita riqueza”.
A Guiana se tornou independente do Reino Unido em 1966. Até então, uma das principais atividades econômicas era a exploração do látex, feita por descendentes de africanos e indianos que foram levados para o protetorado britânico. A mistura de culturas, no entanto, não foi bem-sucedida no país. Até hoje, a população indiana não convive muito bem com a africana, o que acaba criando divisões políticas. Com a descoberta de petróleo, grupos rivais acirraram a disputa pelo poder – e pelos royalties.
O resultado das eleições presidenciais, realizadas em março, foi confirmado apenas no final de julho. A recontagem dos votos comprovou que a vitória da oposição e Mohamed Irfaan Ali assumiu a presidência. O impasse político motivou os Estados Unidos a suspender a validade do passaporte de vários membros do antigo governo, em uma pressão para que houvesse um novo presidente.
Ali, de origem indiana, deverá administrar um orçamento de bilhões de dólares de receitas do petróleo. Até 2024, o pagamento de royalties deverá representar cerca de 40% do PIB da Guiana, segundo o FMI. Este ano, já deverá responder por uma boa parte da movimentação econômica. As empresas de petróleo já contrataram milhares de trabalhadores e pagaram centenas de milhões de dólares para fornecedores locais.
O litoral do país, no Caribe, vem passando por uma explosão inédita da construção civil, com prédios novos para abrigar os funcionários das companhias de petróleo, centros de compras e de serviços. A indústria da construção e do petróleo tem aberto oportunidades de trabalho em massa. Com isso, muitos informais estão optando por empregos formais. Mesmo assim, há dúvidas sobre o futuro do país. “Há vários casos de nações muito ricas em recursos naturais nas quais a condição de vida da população é precária”, diz Lisa.
A vizinha Venezuela é um bom exemplo. O país tem as maiores reservas de petróleo do mundo, com 300,9 bilhões de barris, mas vive uma crise sem precedentes – a expectativa é que o PIB caia 10% este ano. Entre 2014 e 2019, o país perdeu 64% de sua riqueza, segundo o FMI, e se ressente da falta de combustível e produtos médico-hospitalares.
“A Venezuela centrou sua economia no petróleo e optou por importar quase todos demais produtos”, diz o analista do mercado de energia venezuelano Jose Gayra, que trabalhou na estatal PDVSA até 2018. “Com a crise econômica e a desvalorização da moeda local, isso ficou quase impossível. A Guiana não deve cometer os mesmos erros”.
Fonte: Exame
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