À medida que nos aproximamos do Dia Internacional da Mulher, celebrado anualmente em 8 de março, é imprescindível não só reconhecer e homenagear as profissionais que moldam o panorama científico alagoano, mas também dar luz aos desafios que ainda persistem. Neste sentido, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), tem histórias inspiradoras de três pesquisadoras que representam o passado, o presente e o futuro da pesquisa no estado.
Referência na área da Química, a professora Marília Goulart tem uma trajetória de 50 anos no cenário científico. Com pós-doutorados em renomadas instituições na Inglaterra e Alemanha, a pesquisadora traz consigo um extenso currículo de realizações. Desde sua distinção como vencedora do Prêmio Jovem Cientista em 1984, até honrarias recentes como o prêmio Mulheres Brasileiras na Química em 2021.
"Eu vim de uma família que preza a educação, o conhecimento e o respeito", enfatizou a acadêmica, cujos pais estudaram na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Sua mãe foi pioneira na área, graduou-se em Farmácia em 1949, inspirando-a desde cedo a seguir os passos acadêmicos. Segundo Goulart, a sua figura materna sempre foi apaixonada pela ciência, mas teve que se dedicar à família. Como herança, ela lhes deixou dois dons: o da observação e da curiosidade, que moldaram a família.
A influência decisiva veio também do ambiente acadêmico no qual ela se inseriu desde cedo. Estudou no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde teve acesso a excelentes professores, o de química em especial foi o que alimentou sua sede de conhecimento e a levou a escolher a Farmácia como área de atuação, justamente por ter uma interseção com a Química e a Saúde.
Após esse primeiro encontro com o ambiente universitário, a estudiosa aborda que, participar do Programa de Iniciação Científica (Pibic) na UFMG foi um marco em sua trajetória, no qual alcançou apoio e exemplos inspiradores de mulheres atuantes na ciência. Assim o desejo pelo doutorado foi o passo seguinte, porém quando o iniciou em 1976, ela já havia abraçado sua jornada em Maceió lecionando na Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
A acadêmica precisou então dividir a família durante o período, com o marido Euzébio Goulart cuidando do filho mais velho em Maceió, enquanto ela estava em Belo Horizonte com o mais novo, ressaltando os sacrifícios e a dedicação mútua do casal. Somente após a sua conclusão, seu esposo pôde finalizar o seu doutorado e a família conseguiu se reunir por completo depois de dois anos, revelando o verdadeiro significado de superação e comprometimento.
Hoje, a estudiosa orienta alunos em diversos programas e continua a influenciar a comunidade científica internacional como membro de prestigiadas sociedades e academias. Sua história é um testemunho inspirador do impacto e da excelência que as mulheres alcançam no mundo da ciência.
O ensino científico do presente
Mudando o foco para um talento do presente, a história da professora Letícia Anderson se faz atravessada pelo campo da bioquímica e educação. Comemorando agora a sua nova etapa como docente na Ufal iniciada há dois meses, ela reflete todo o preparo e doação que existem por trás da construção de uma pesquisadora mãe.
"Tive uma professora de ciências excelente e lembro muito dela ensinando sobre átomos, células, organelas, e aquilo começou a me fascinar”, explicou a professora. Mas, o seu contato efetivo com a pesquisa ocorreu somente na 8ª série, quando a sua turma foi convidada a conhecer o laboratório de anatomia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). A então aluna pôde visualizar de perto o corpo humano e desbravar um pouco dos aspectos científicos que tanto a vislumbravam desde pequena.
Dessa forma, ao ingressar na vida acadêmica, a farmacêutica relatou que encontrou lá um ambiente inspirador, repleto de cientistas e oportunidades de acesso ao conhecimento. Ela aborda que apesar de não ter sido fácil construir seu espaço, a sua determinação em conciliar a docência e a pesquisa a levou a buscar um constante aprimoramento, inclusive realizando parte da sua pós-graduação no exterior.
Entretanto, a sua jornada também foi marcada pela maternidade. Como mãe de Benício, um bebê de um ano, ela tem enfrentado desafios adicionais: “Eu tenho um apoio enorme e isso traz um diferencial. Mas apesar de todo o suporte, observa-se hoje que há políticas pontuais para privilegiar pesquisadoras mães; existem iniciativas, mas elas ainda são limitadas e precisam ser ampliadas para proporcionar um apoio efetivo”, aponta a docente.
Atualmente, por enxergar todo este cenário, a professora reconhece em si um papel fundamental: o de educadora, inspirando e orientando outras meninas e mulheres em suas trajetórias científicas. "Minha função é de tentar inspirar novas carreiras também. Tenho uma responsabilidade para que a gente tenha cada vez mais uma geração de pesquisadoras com alta produtividade nas universidades", completou a farmacêutica.
Consciente destes obstáculos enfrentados pelas mulheres na ciência, ela reforça, sobretudo seu compromisso não apenas com o avanço científico, mas também com a promoção da igualdade de gênero no meio acadêmico.
O futuro que inspira
Seguindo para um contexto recente da maternidade, emerge Fernanda Souza, jovem doutora e recém-mãe, que acaba de retornar ao Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) da Ufal após a sua licença maternidade. Neste momento, a cientista traz consigo não apenas sua expertise, mas também uma valiosa perspectiva sobre os desafios biológicos enfrentados pelas mulheres na academia.
A acadêmica inicia o diálogo relembrando do momento em que se encontrou no fazer científico durante um congresso em Minas Gerais: "A minha orientadora de iniciação científica protagonizou uma discussão enriquecedora com base em sólidos argumentos científicos. Então, o evento foi determinante para eu decidir seguir estes passos", relembra a bióloga.
Ao abordar as referências acadêmicas que a levaram até esse lugar, Fernanda Souza destaca a influência das professoras Janira e Cláudia, ambas da área de parasitologia: "Elas foram cruciais para a minha decisão na área, especialmente ao demonstrarem como conciliar dedicação à carreira científica com a maternidade”.
Esse contexto da experiência foi fundamental para a estudiosa, inclusive na descoberta de sua própria maternidade no início do pós-doutorado: "Inicialmente, senti certo medo pelas alterações fisiológicas comprovadas na gravidez e como isso poderia afetar minha produtividade". No entanto, ela recebeu um grande acolhimento por parte do seu supervisor e da equipe de pesquisa, que proporcionaram flexibilidade em sua rotina experimental e de reuniões.
Por outro lado, ela destaca que apesar dos avanços nos últimos anos, esta não é uma realidade para muitas cientistas: “Iniciativas como a inclusão da licença maternidade no currículo Lattes e o programa Mulheres na Ciência são importantes, mas é necessário maior conscientização e implementação de políticas públicas para garantir equidade de gênero e suporte adequado às pesquisadoras mães", ressalta a jovem doutora.
A bióloga enfatiza a necessidade de medidas de amparo abordando diretamente o período materno dentro de parâmetros científicos: "Artigos comprovam diversas alterações durante a gestação e o pós-parto, incluindo diminuição do cérebro e mudanças na conectividade neuronal das mães. É fundamental reconhecer isso", completou a cientista.
Com sua determinação e experiência, a doutora se destaca como mais um exemplo da nova geração que entende a multiplicidade dos contextos de ser pesquisadora no Brasil, somando-se assim à luta de diversas profissionais que partilham da demanda por ambientes inclusivos e apoiadores para as mães deste país.
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