Se fosse escrever um livro, Ciel o dividiria em três capítulos. Falaria sobre a dificuldade do início, desde a base do Porto de Caruaru, quando não tinha dinheiro sequer para comprar as próprias chuteiras. Contaria sobre o alcoolismo, período nefasto da própria vida, já superado graças à família e à fé.
Por fim, versaria sobre os oito anos em Dubai, quando fez riquezas e renasceu nos Emirados Árabes. No epílogo, Ciel agradeceria. À religião, à família e ao próprio futebol, que lhe proporcionou tantas histórias para preencher as páginas desta obra.
Aos 41 anos, o artilheiro do Ferroviário, clube cearense que está nas quartas de final da Série D, reconhece os presentes ganhos pela vida, mas carrega a certeza de que outras tantas conquistas ainda virão.
O nome do livro seria: "A Superação do 99". O número ostentado na camisa, inclusive, não vem por acaso. Na Bíblia, há a parábola das 100 ovelhas, descrita em Lucas 15:4-6.
Ela conta a história de um pastor em busca de um bom pasto para seu rebanho. Um dia, um dos animais se perdeu. O pastor, por sua vez, deixou as outras 99 em segurança e procurou a perdida até encontrá-la, trazendo-a de volta em seus ombros. Ciel era a ovelha perdida.
Desnorteado pelo vício do álcool, o atacante não conseguia se firmar em nenhum dos clubes por onde passava. O extracampo prejudicava dentro das quatro linhas. À época, ainda Jociel, o jogador passou por Santa Cruz, Salgueiro, Ceará, Icasa e até Fluminense.
- Os momentos mais difíceis da minha carreira foram no Brasil, em vários clubes que nem consigo mencionar um só. Meu extracampo me atrapalhava em todos os clubes que eu ia. Foi uma fase muito difícil, que eu confesso que só com muita graça de Deus ainda conseguia jogar nesses clubes.
Mas foi na ida para o mundo árabe que tudo mudou.
- Foi em 2016 na transição do Ceará para Dubai. Lembro até o dia: 2 de outubro de 2016. Eu me converti e me entreguei totalmente para Jesus. Desse caminho não quero mais sair nunca mais. Deus me deu novas chances de mostrar para as pessoas um novo jogador - disse.
Assim nasceu Ciel 99.
"A vida me ensinou a valorizar tudo que Deus coloca em nossas mãos, a nunca dispensar as oportunidades, pois muitas delas são únicas. E uma delas eu agarrei pela fé, que foi minha ida para os Emirados Árabes em 2010. Foi uma virada de chave em minha vida em todos os sentidos", destacou Ciel, atacante do Ferroviário.
O Ciel de hoje diria ao Jociel de anos atrás para ter foco, força e fé. Foco para atingir os objetivos profissionais e buscar resultados. Força para se dedicar ao máximo à profissão, dormindo bem, alimentando-se bem, dedicando-se aos treinos.
O resultado está em campo. O atacante havia atingido a marca de 20 gols no ano apenas uma vez na carreira, em 2019, jogando pelo Caucaia-CE.
- E eu gosto muito de resumir a parte da fé com esse versículo: "Porque andamos por fé e não por vista". É Coríntios 5:7-2 - detalhou.
Família
Ciel abraça a família e é abraçado por ela todos os dias. A esposa Ruti, de 39 anos, e as filhas Yasmin e Sarah, de 14 e nove, respectivamente, são os pilares que o cercam e protegem fora de campo.
- Minha família é a coisa mais importante que tenho hoje, depois de Deus. É o meu alicerce. São com elas que renovo as minhas forças e as minhas alegrias em geral. Sem elas eu nem estaria aqui.
Ruti tem um lugar especial na prateleira de agradecimentos do jogador. Além de esposa, joga nas 11 fora das quatro linhas e faz as vezes de conselheira, assessora, nutricionista e até personal stylist.
- Minha esposa, sem sombra de dúvidas, é depois de Deus a pessoa mais responsável pela minha mudança. Através das orações dela que a nossa caminhada juntos se fortaleceu ainda mais. Fora que ela me ajuda em absolutamente tudo. Eu só faço jogar, o resto é com ela - disse.
Quando não está com a camisa do Ferroviário, Ciel está com a família. Fez até uma quadra de beach tennis para as disputas com as filhas. A mais velha, Yasmin, chegou a disputar etapa do mundial da modalidade em Fortaleza, com direito a ter o pai como coach à beira da quadra.
- A rivalidade no beach tennis com elas é grande! Brincamos de vôlei, altinhas, tudo que inclui bola elas gostam, e que bom né? - contou o atacante.
Tubarão da Barra
A temporada com o Ferroviário beira o espetacular. O Tubarão da Barra está nas quartas de final da Série D, a dois jogos de alcançar o tão sonhado acesso (enfrenta o Maranhão). De quebra, chegou também às finais da Taça Fares Lopes, que deu uma vaga na Copa do Brasil de 2024.
Terceira força do estado, o Ferroviário, clube de 90 anos, tenta diminuir o abismo entre ele e os rivais Fortaleza e Ceará, que ganharam bastante projeção nacional nos últimos anos. Campeão estadual nove vezes, a última em 1995, o Tubarão conquistou a Série D em 2018, mas não conseguiu manter a ascensão e caiu em 2022.
Depois de marcar 18 gols no ano passado pela Tombense, Ciel aceitou o desafio de ser o principal jogador do elenco e tentar reconduzir o Ferroviário à Série C.
- Eu sou um jogador que sempre quero mais. Não sou acomodado. Tenho muitos objetivos pra alcançar. Mas o primeiro e o mais importante é uma meta de todo o grupo que é o acesso para a Série C. Depois de conseguirmos o tão sonhado acesso, vamos em busca do título. Só então vêm as metas individuais - detalhou.
Veterano, Ciel é muito mais do que apenas um jogador no elenco coral. Líder e capitão, o atacante auxilia os companheiros seja com palavras de incentivo na preleção, ou como bem gosta de brincar, até com assistências nas partidas.
- O clima do Tubarão é só alegria. Confesso sem medo que nunca tive um grupo tão unido e feliz como esse, onde todos os jogadores se respeitam e lutam um pelo outro. Um grupo com zero vaidade e muito comprometimento - garantiu.
Sou capitão desse grupo com muita honra e orgulho. Meu papel é ajudar meus companheiros em todos os sentidos, seja com palavras, conselhos, apoios, incentivos, passes e muito mais.
— Ciel, atacante do Ferroviário
Aos 41, Ciel parece interminável. Não pensa em parar. Mas em alguns anos, quando começar a planejar a reta final da carreira, o atacante revelou preferência por um clube para defender a camisa: o Ceará. No Vovô, acumulou quatro passagens. A última delas em 2016, quando disputou apenas cinco jogos, sem marcar gols. Uma proposta do mundo árabe o levou novamente para longe.
- Se for para escolher somente um time pelo qual já passei para encerrar a minha carreira, esse time seria o Ceará. Mas enquanto eu não estiver dando raiva aos torcedores, nem passando vergonha, estarei jogando. Enquanto Deus me der forças para desempenhar meu futebol em alto nível, estarei por aqui. Vocês ainda vão me ver muito por aqui - concluiu.
Quem é Ciel?
Nome: Jociel Ferreira da Silva
Data de nascimento: 31/03/1982, em Caruaru-PE
Clubes que jogou: Centro Limoeirense, Santa Cruz, Juazeiro, Ceará, Salgueiro, Busan-COR, Icasa, Fluminense, América-RN, Paços de Ferreira-POR, Corinthians-AL, ASA, Shabab Dubai-EAU, Al Ahli-EUA, Al Itthad Kalba-EAU, Dibba Al Fujairah-EAU, Caucaia, Guarany de Sobral, Sampaio Corrêa, Tombense e Ferroviário.
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