O ciclo de Fernando Antônio de Lima na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) foi encerrado, na tarde da última sexta-feira (28), com uma comemoração dupla: além de concluir o curso superior, Fernando foi aprovado no concurso público da Polícia Penal do Estado de Alagoas e, por isso, precisou solicitar uma colação de grau emergencial para assumir o cargo.
O serviço foi instituído em 2016 e interrompido desde 2020 devido à pandemia de covid-19. Para o reitor, Josealdo Tonholo, as colações sociais são a expressão máxima do encerramento de um ciclo na vida dos alunos e também representam que a universidade cumpriu sua função: a de entregar concluintes prontos para ingressar no mercado de trabalho ou dar continuidade aos seus estudos na pós-graduação.
“Essa colação de grau tem um simbolismo muito forte porque ela representa a retomada da nossa prática de realizações das cerimônias sociais. Temos a obrigação de ofertar esse momento para aquele estudante que cumpriu com todas as suas obrigações aqui na Universidade, mas que por muitas vezes não tem como fazer uma festa de formatura. A Ufal precisa e vai prestigiar esses estudantes”, explicou o reitor.
“O Fernando tem uma história de vida fantástica e foi uma daquelas pessoas que entram na universidade para transformar, sempre cobrando melhorias, sempre engajado nas atividades. Um daqueles rostos inesquecíveis. Ele sai da Ufal como uma pessoa melhor, mas certamente somos uma instituição melhor por todas as suas contribuições e por isso fizemos questão de realizar essa colação emergencial com toda a pompa que a ocasião merece”, afirmou Tonholo.
No geral, a colação de grau reúne um grupo grande de estudantes concluintes para ser realizada. No entanto, existem alguns casos em que a etapa pode ser antecipada, de acordo com o regimento interno da instituição. Nesses casos, não há cerimônia oficial, com paraninfos e homenagens, e o aluno realizará sua colação frente a testemunhas oficiais da instituição.
Os casos em que isso é permitido estão relacionados a compromissos futuros, como aprovação em uma pós-graduação ou em concurso público. “Como muitos concursos exigem a comprovação do término da graduação, o aluno nessas condições terá o direito de receber sua comprovação antecipadamente. Isso evita prejuízo e perda de vagas”, explicou o reitor.
Uma história de superação
A história de Fernando, formado em Letras - Português pelo Campus Arapiraca, se confunde com a de diversos brasileiros que precisam adiar o sonho de concluir uma graduação para assumir as contas de casa. Entretanto, apesar da rotina corrida de trabalhador e chefe de família, foi um aluno exemplar: nunca perdeu uma disciplina ou semestre e sempre participou ativamente da universidade.
“Sou mecânico de automóveis de profissão e nunca tive a ideia de fazer um curso superior porque o sistema e as pessoas conseguiram me convencer que a universidade não era pra mim, que era coisa de gênio, de gente excepcional e inteligente”, afirmou Fernando. “Então entrar na universidade, concluir um curso, passar em um concurso... tudo isso era algo que estava longe pra mim”, complementou.
A paternidade e o desejo de ser um exemplo para a filha mais velha, Luana Beatriz, no entanto, fizeram com que Fernando reavaliasse suas escolhas e optasse por retomar os estudos. Em um momento emocionante da colação, o egresso comentou sobre o momento em que decidiu voltar às salas de aula.
“Eu já estava ali próximo aos 40 anos e mandei uma mensagem de texto para minha filha. Ela não sabe disso, nunca falei, mas alguns dias depois, ela comentou que eu tinha escrito uma palavra de forma errada. Aquilo ali, eu senti muito. E foi assim que eu resolvi que eu precisava voltar a estudar, precisava dar continuidade e, justamente, por isso escolhi o curso de Letras”, relembrou emocionado.
“Sempre tive orgulho do meu pai, mas hoje estou muito mais orgulhosa ainda porque hoje eu sei o quanto ele lutou por isso”, disse Luana Beatriz, estudante do terceiro período de Direito, que incentivou, ainda que sem querer, o pai.
Ser aprovado para cursar uma graduação foi apenas um dos inúmeros desafios enfrentados por Fernando em sua trajetória. Ao ingressar no curso de Letras, aos 37 anos, ele se deparou com uma universidade predominantemente jovem. De acordo com a última Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais, promovida pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a idade média dos alunos matriculados no primeiro curso superior é de 24,4 anos.
Além da diferença de idade, Fernando também percebeu o abismo na educação de base que recebeu e o quanto precisaria se dedicar para alcançar os colegas. “Eu entrei na universidade e não sabia o que era o sujeito de uma oração. Eu não tinha noção do quanto eu não sabia, do quanto faltava eu aprender”, avaliou. “Quando eu percebi o quanto eu estava distante daquela garotada de 17, foi um susto. E aí eu comecei a me esforçar, virar noites sem dormir. Quando batia o sono, lembrava do quanto minha mãe batalhou. No quarto semestre eu já estava fera na análise sintática, já conseguia corrigir trabalhos e aí eu percebi que eu era capaz”, complementou.
O compromisso do Fernando com a universidade foi além das obrigações do curso. O estudante fez parte da comissão que cobrou e acompanhou a implementação do Restaurante Universitário no Campus Arapiraca. “Eu lembro do quanto eu fiquei emocionado no dia em que foi servida a primeira refeição no Restaurante Universitário porque passou pela minha cabeça todos aqueles dias que os estudantes ficavam com fome ou dividindo um pacote de biscoito. Eu sei o quanto eu lutei, junto aos meus colegas, para saber que os novos alunos que virão não terão mais que passar por essas situações”.
“A gente passa pela Universidade e ela vai transformando a gente, a nossa vida, a vida das nossas famílias. Em alguns casos, a universidade também é transformada pelos alunos. E eu tenho certeza que a sua passagem por aqui fez a diferença. O RU no Campus Arapiraca é um exemplo disso, de como a sua trajetória marcou essa Universidade também”, afirmou Rodrigo Bispo, professor do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) que foi coordenador pro tempore na fase de implementação do curso de Medicina em Arapiraca.
Uma universidade para todos
De acordo com Tonholo, o perfil dos ingressantes na Universidade Federal de Alagoas mudou com o passar dos anos. “Quando eu entrei aqui, essa instituição era um ambiente predominado por homens brancos, com um poder aquisitivo maior e vindo de famílias influentes no estado ou na região. Fico muito feliz de ter acompanhado essas mudanças. Hoje temos uma Universidade muito mais plural, muito mais colorida e muito melhor”.
Segundo o painel interativo Ufal em Números, mais de 10 mil alunos matriculados no período letivo 2022.1 se autodeclararam como pretos, pardos ou indígenas. Para o chefe de gabinete Ubirajara de Oliveira, que trabalhou por mais de 30 anos no Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi), ações afirmativas foram imprescindíveis para a mudança no perfil dos estudantes da instituição.
“Entre 1996 e 1997, conseguimos abrir cursos noturnos, o que ajudou o ingresso e permanência de pessoas mais velhas ou que precisavam trabalhar para se manter. Também discutimos democraticamente a implementação das cotas, investimos na interiorização da Ufal. Todas essas ações foram muito positivas para a sociedade alagoana e permitiu que pessoas que jamais sonharam em entrar na universidade se formassem”, avaliou.
O professor Willian Melo, do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte (Ichca), falou sobre a importância de incentivar alunos de diferentes perfis como forma de manter a universidade plural. “Como professor, vejo o etarismo como um desafio na sala de aula. A universidade precisa estabelecer uma cultura para que esse grupo não desista e nem se sinta desmotivado, principalmente no caso de estudantes que ingressam no ensino superior apenas na terceira idade”, explicou.
“É muito complicado você olhar pra sua vida e pensar que já é tarde, eu já passei por isso e sei o quanto dói. Mas sempre teremos oportunidades, independente do contexto, da idade. Hoje, eu tenho certeza que sou muito capaz e que posso ainda muito mais. Eu sei que posso fazer qualquer coisa que eu queira porque a universidade me trouxe essa certeza. Hoje eu sei que as pessoas que diziam que a faculdade era coisa de gênio estavam erradas porque a verdade é que, com esforço, a gente chega em qualquer lugar”, finalizou Fernando.
Fernando Antônio de Lima recebeu seu diploma no Dia Nacional da Educação, deixando a Universidade Federal de Alagoas como mais um exemplo de como ela é capaz de mudar vidas.
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