Doença infecciosa crônica, antigamente chamada de lepra, a hanseníase ainda é um grave problema de saúde pública no Brasil. De acordo com informações do Ministério da Saúde, a enfermidade “atinge principalmente a pele, as mucosas e os nervos periféricos, com capacidade de ocasionar lesões neurais, podendo acarretar danos irreversíveis, inclusive exclusão social, caso o diagnóstico seja tardio ou o tratamento inadequado”.
A doença tem cura e o tratamento é gratuito, garantido nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), mas uma das principais dificuldades enfrentadas por pacientes e profissionais é a identificação correta e precoce. A docente do curso de Medicina do Campus Arapiraca da Ufal, Carolinne de Sales Marques, explica que isso acontece porque a doença ainda é muito desconhecida pela população e é de difícil diagnóstico.
“Embora seja uma das mais antigas a acometer os seres humanos, ainda permanece como problema de saúde pública no Brasil. O país ocupa o primeiro lugar no ranking mundial em taxas de detecção e, ainda assim, a doença permanece como negligenciada”, alertou.
A docente esclarece que o enquadramento no rol de doenças negligenciadas se deve ao fato da enfermidade acometer mais as pessoas que vivem em situações de maior vulnerabilidade social, contribuindo para a manutenção da desigualdade, além de receber investimentos insuficientes em terapias e diagnóstico.
Outro aspecto apontado pela pesquisadora é o histórico de sentidos negativos que a doença carrega. “A hanseníase é uma doença estigmatizada, principalmente, devido à associação histórica com impureza e pecado. Além disso, pode levar a deformações físicas nos pacientes, incapacitando-os para as atividades laborais e levando a exclusão social, trazendo à tona esse estigma”, revelou.
Desde 2020, Carolinne coordena o projeto Estudo clínico-epidemiológico da hanseníase em Alagoas: fatores de susceptibilidade, incapacidades físicas e estratégias tecnológicas de intervenção em saúde. Um dos eixos da iniciativa, explica a professora, é contribuir para o enfrentamento da hanseníase por meio de um aplicativo para dispositivos móveis, o qual inclui módulos de auxílio ao diagnóstico da doença e de educação em saúde.
Um desses módulos é o Hanscast, um podcast direcionado aos profissionais de saúde, e que já pode ser acessado neste link. “O objetivo principal do Hanscast é promover a informação de qualidade sobre os principais temas relacionados à hanseníase, tendo como público-alvo os profissionais de saúde da atenção básica no âmbito do SUS”, esclareceu.
Antes de iniciar a gravação dos programas, a docente conta que foi feito um levantamento entre os profissionais de Alagoas a respeito das principais dificuldades enfrentadas. “Dessa forma, priorizamos os temas mais relatados para serem discutidos nos podcasts. Para cada um dos temas, buscamos especialistas para serem entrevistados de forma a levar informação da melhor forma possível”, ressaltou.
A professora defende a necessidade de usar as novas tecnologias para levar conteúdo qualificado que ajude no atendimento e no combate à enfermidade. “A proposta é levar informação para profissionais de saúde do SUS que estão atuando no cuidado da nossa população e que, por muitas vezes, desconhecem os principais sinais e sintomas da doença”, afirmou, acrescentando que “o podcast é uma ferramenta de livre acesso e que pode ser expandida para outro público interessado, podendo atingir também estudantes, professores, pesquisadores e a população em geral”.
O projeto é financiado pelo Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS), edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) 06/2020, e se encerrará em julho de 2023. A pretensão da professora é dar continuidade aos podcasts para seguir explorando temas atuais e relevantes. “Esperamos levar conhecimento sobre os principais aspectos da hanseníase, contribuindo assim para o seu diagnóstico precoce, para a redução no número de novos casos na população e para a redução dos estigmas ainda associados a esta doença”.
Participação de estudantes
A estudante de Medicina do Campus Arapiraca, Samilla Cristinny Santos, é bolsista pelo Programa Institucional de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Pibiti) da Ufal no projeto sobre hanseníase e atua na produção do Hanscast. Sob a coordenação da professora Carolinne, a discente conta que fica responsável pelas entrevistas com os convidados, a gravação e toda a pós-produção dos programas. “Nosso podcast conta com especialistas de vários lugares do Brasil, nossos encontros ocorrem de forma remota pelo Google Meet”, disse.
Ao falar sobre a experiência com o projeto, Samila se empolga e dispara: “Está sendo fantástica! É incrível como cada especialista amplia sua visão não apenas sobre o conhecimento da doença em si, mas em como isso influencia na vida da pessoa acometida pela hanseníase. Isso para mim tem um impacto muito forte, principalmente, como futura profissional de saúde, uma vez que nos ajuda a ter uma perspectiva maior sobre a doença na vivência prática desses profissionais, o que amplia a nossa visão, já que não se limita apenas ao conhecimento teórico sobre a doença”.
Samilla destaca a diversidade de especialistas que são ouvidos pelo Hanscast. “Temos médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, historiadores e pesquisadores de diferentes áreas, além de contarmos com profissionais da saúde que também foram acometidos com hanseníase, em que foi possível contar a experiência deles, o que nos leva a refletir sobre nossa conduta não apenas clínica, mas também como ser humano, ao lidar com uma doença ainda tão negligenciada e estigmatizada”, afirmou.
Lívia Maria Barbosa Neves é estudante de Medicina e também atua como membro do projeto na produção e gravação do HansCast. Ela auxiliou a definir os temas abordados e a identificar os profissionais com perfil para falar sobre cada assunto, tudo isso considerando a realidade dos profissionais da saúde de Alagoas.
Ela relatou os desafios na hora de pensar o programa: “Essa foi a parte mais desafiadora, pois fizemos um trabalho de detetive nas redes sociais para buscar pessoas que, no estado de Alagoas e ao redor do Brasil, já eram empenhadas na temática”, lembrou.
A futura médica destaca o quanto tem sido gratificante participar, pois tem aprendido sobre o assunto e ressalta como essa experiência vem impactando em seu processo de formação.
“Através do projeto, consegui entender melhor o que é a hanseníase e como lutar por essa causa, levando informações sobre a doença aos profissionais da saúde. Também é importante para combater o negligenciamento e o estigma social que, ainda hoje, persistem sobre a doença. Creio que é uma oportunidade e tanta para aprender mais sobre ela [a doença] ainda durante a minha formação”, reforçou.
Diaghans
Além do podcast, a professora Carolinne e a equipe de estudantes vêm trabalhando no desenvolvimento do aplicativo Diaghans, que tem como objetivo o diagnóstico e o manejo da hanseníase.
“O módulo diagnóstico ainda não foi lançado, mas ele utilizará inteligência artificial para realizar o diagnóstico de hanseníase, bem como predizer a ocorrência de incapacidades físicas”, adiantou a estudante de Medicina, Vitória Cardoso, que atua, juntamente com as discentes Ayara Dantas e Karen Paixão, como membros do projeto por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Pibit).
Para saber mais e acompanhar as atividades, acesse aqui
Utilize o formulário abaixo para enviar ao amigo.