Roberto (nome fictício) nasceu duas vezes. O primeiro nascimento se deu de forma previsível, como acontece com todo bebê que vem ao mundo. O segundo, tão importante quanto o anterior, aconteceu aos 12 anos, quando ele ganhou o direito na Justiça de ser chamado pelo nome masculino. Roberto é um adolescente trans. É com o gênero masculino que se identifica desde os três anos de vida. Nunca se percebeu como uma menina. Por isso, sofria constrangimento quando lhe chamavam pelo nome feminino, aquele consagrado lá atrás na certidão de nascimento. Foram quase dois anos para garantir o direito. Esse seria o primeiro caso de adolescente trans a registrar o nome social nos documentos em Pernambuco, segundo o advogado do caso.
O processo foi acompanhado de perto pela ONG Mães pela diversidade, um espaço de discussão sobre direitos das pessoas LGBTQI. A mãe de Roberto, Luiza, 47 anos, procurou o Mães porque precisava de informações para ajudar o filho trans. Lá, encontrou o Acolher, ação formada por voluntários pela causa. O advogado Sérgio Pessoa, voluntário e vice-presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PE), foi quem acionou a Justiça para retificar o nome dele, na época, ainda uma criança.
Sérgio explica que, em agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que pessoas trans podem alterar o nome de forma administrativa, ou seja, não precisam mais acionar a Justiça para ter o direito garantido. A partir daquela data, podem procurar os cartórios e fazer a retificação do nome em um ato simples, sem burocracia. A decisão, no entanto, não vale para menores de idade. “Nesse caso, é necessário o parecer do Ministério Público, não bastando somente os pais concordarem, e a deliberação do juiz.”
“Na ação, aleguei que o nome de batismo da criança gerava constrangimento porque ele se apresentava como menino, mas tinha nome feminino. É uma questão de dignidade. Muitas vezes, a situação gera, no futuro, algo muito comum à população trans, que são doenças psíquicas e o suicídio”, explicou Sérgio.
Roberto tem acompanhamento psicológico desde os sete anos. Nas sessões, foi possível atestar que ele não passava por uma “fase”. O parecer da psicóloga, especialista em crianças e adolescentes trans, atestava que não havia outra possibilidade a Roberto que não a identificação com o gênero masculino, conforme ele dizia. Aos dez anos, ele começou a ser submetido a tratamento com endocrinologista em um hospital público. O pedido de retificação do nome veio logo depois.
O engenheiro Robson, 56, e a pedagoga Luiza, pais do adolescente, sentem-se aliviados com a decisão da Justiça. Nunca mais passarão constrangimento junto com o filho em unidades de saúde ou escolas, como já aconteceu. Em uma das últimas idas ao médico, disse Robson, o especialista negou-se a chamá-lo pelo nome social. Os olhos de Roberto se encheram de lágrimas. Robson preferiu se retirar levando o filho. Brigar àquela altura seria ainda mais prejudicial para o filho.
O garoto é chamado pelo nome social na escola onde estuda e no bairro onde mora antes mesmo da decisão judicial. Mas a família ainda prefere manter os nomes completos e rosto sem identificação. Temem a transfobia. Essa que mata.
Quando tinha sete anos, Roberto sofreu bullying em uma escola privada. A ponto de chegar em casa e dizer que desejava morrer. Teve a escuta atenta e apoio da mãe e do pai. E isso fez toda a diferença na vida do menino. A partir dali, Luiza e Robson passaram a gestar um novo filho. A menina já não existia mais.
“É interessante o processo de transição. Porque a família faz toda junta. Muda o jeito de falar, de sentar, o cabelo, as roupas. Quando fez oito anos, perguntei para ele o que queria. Ele respondeu que queria cortar o cabelo e trocar as roupas femininas. Doei as roupas antigas e comprei tudo novo. Ele chegou radiante. Pela primeira vez, tinha comprado na seção masculina da loja”, lembrou Luiza.
Roberto agora não precisa mais justificar quem é nos lugares onde chega. O nome feminino nos documentos ficou para trás. Permanece a imagem masculina e o nome masculino. Um direito aparentemente simples, mas sinônimo de libertação para o garoto. Quem quiser entrar em contato com o Mães pela diversidade pode procurar Gi Carvalho, pelo número (81) 99745.0640.
Fonte: Diário de Pernambuco
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