A Catedral Metropolitana de Campinas, no interior de São Paulo, se viu no meio de uma polêmica depois que o padre Júlio Lancellotti, da capital paulista, publicou, em uma rede social, foto de uma escada lateral do templo com espetos de ferro, que impedem a presença de pessoas em situação de rua nos degraus.
Ele acusou a igreja de "aporofobia", um tipo de pavor ou ódio de pobres. As estacas foram removidas nessa quarta-feira (15). Segundo a igreja, elas estavam no local ao menos desde os anos 90. A paróquia afirma que a utilidade do equipamento foi mal-interpretada.
Padre Júlio, que se destaca há décadas no trabalho com pessoas em situação de rua, já havia denunciado situações semelhantes.
Em São Paulo, por exemplo, quebrou a marretadas pedras sob viaduto que impediam a permanência de pessoas. A ação inspirou protesto em Santos, no litoral paulista, contra a instalação de pedras também consideradas uma medida "antimendigo".
O pároco da igreja campineira diz que houve um mal-entendido. As estacas estavam instaladas em um portão lateral, enquanto a escadaria da entrada principal da catedral está livre de obstáculos e era nesta semana ocupada por pessoas em situação de rua, quando a reportagem esteve no local.
A postagem do padre Júlio Lancelloti, na segunda (13), tinha uma imagem com as estacas nas escadas acompanhada da legenda "Aporofobia na Catedral de Campinas. Nem sempre a casa de Deus é a casa do Povo". A publicação já foi removida, mas viralizou nas redes sociais, tendo sido compartilhada por famosos.
Padre Caio Augusto de Andrade, pároco da Catedral Metropolitana de Campinas, explica que a escada fica na lateral direita da igreja, na rua Costa Aguiar. Essa parte da edificação sempre foi administrada por uma associação de fiéis civis, conta ele, e ali era a entrada para essa entidade
"Quando a cidade cresceu, fecharam aquela entrada, inutilizaram aquelas escadas e colocaram aqueles espetos horríveis. Isso, na década de 80, 90, muitos anos atrás, quando nem a igreja nem a sociedade discutiam a opção preferencial pelos pobres", diz o religioso. "Talvez tenham sido colocados bem mais para inutilizar do que para impedir que os moradores de rua deitassem e dormissem lá", completa.
Ele afirma que o tempo passou e esqueceram de retirar a estrutura. Quanto à decisão de removê-la agora, o padre disse ter dado a sua palavra. "Mas eu fico pensando: se é por amor aos pobres, não seria mais importante tirar essas pessoas da situação de rua, de marginalização, de drogas, de corrupção, do que tirar essas grades?", questionou, em entrevista na terça, véspera da remoção.
O pároco conta que conversou diretamente com Lancellotti sobre as críticas. "Logo nas primeiras horas da postagem, como eu tenho certa proximidade, amizade, eu liguei e expliquei que não era o que ele estava pensando. Eu fiquei constrangido com tudo. Nós temos uma verdadeira opção pelos pobres, expliquei e ele imediatamente tirou a postagem, mas repercutiu."
Padre Andrade, que está há apenas dois meses na paróquia, afirma que a acusação é contraditória, já que no último domingo junto com ONGs realizou um jantar para as pessoas em situação de rua.
"A Catedral Metropolitana tem feito sim trabalhos para ajudar os moradores de rua a sair dessa situação, como o Levanta-te, que é uma pastoral social. A gente não tem rejeição, pelo contrário, a gente tem um carinho muito grande pelos moradores de rua."
Andrade diz admirar o colega paulistano, mas que pode ter sido ele "induzido ao erro ou manipulado".
"Talvez por estar meio idoso, não teve muito discernimento, ou mesmo foi manipulado, induzido ao erro. Mas acredito no padre Júlio, gosto dele, tenho grande admiração, sempre me inspirou na opção pelos pobres. Acho que a gente comete erro. Não quero dizer que ele errou, mas talvez foi instrumentalizado ou até mesmo induzido ao erro", afirma.
À reportagem Lancellotti julgou acertada a decisão da Catedral Metropolitana de Campinas de retirar as estacas de ferro.
"Acho que é uma atitude de humildade e de coragem. A paróquia atua junto aos pobres e essas estacas foram um erro histórico. Estavam lá desde a década de 90. A retirada é um sinal de que está de acordo com as atitudes de acolhimentos aos pobres", disse.
O religioso, contudo, reclamou dos ataques que recebeu pela internet de católicos. "Recebi vários ataques, mensagens espantosas. Me chamaram de herege, que não sou padre, que sou um franciscano hipócrita."
Lancellotti criticou a menção do padre de Campinas em relação à sua idade.
"É uma outra discriminação. Não devemos ter discriminação com os idosos. Acho que uma alegação dessa mostra preconceito. Idade avançada tem o Santo Papa, que é cerca de dez anos mais velho que eu", afirmou. "Estou fazendo 73 anos, mas não fui interditado. Esse é um argumento que desqualifica o interlocutor e isso faz parte do discurso do ódio, onde não se debate o objeto. Ficar na defensiva não faz bem. Eles retirarem aquelas pontas de ferro é um reconhecimento de que é inadequado", concluiu Lancellotti.
Fonte: Notícias ao Minuto
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