União dos Palmares - Depois de dois anos fechada e com restrições ao acesso de religiosos, turistas, pesquisadores e estudantes, os portões da “Fortaleza do Quilombo dos Palmares”, no platô de Serra da Barriga (distante 82 quilômetros de Maceió] foram “escancarados” essa semana. Até domingo (20), data da “Consciência Negra Nacional”, receberá mais de 10 mil turistas. As atividades culturais e celebrações tradicionais, como as cerimônias religiosas de matrizes africanas, começam ao raiar do sol.
Entre os que estiveram nos preparativos do projeto cultural “Vamos subir a Serra da Barriga”, em Maceió, e se emocionaram, estava o governador eleito da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT). Acompanhado da futura primeira-dama, a pró-reitora da Universidade Federal da Bahia, professora Tatiana Veloso, ele se emocionou na apresentação de uma roda de capoeira. O projeto do Movimento Negro Anajô realizou atividades de arte e cultura na tenda cultural Zumbi dos Palmares, na praça Multieventos até o dia 16.
No dia seguinte, transferiu as atividades religiosas, de arte, cultura, gastronomia e oficinas para o platô da Serra da Barriga. “O governador eleito da Bahia e sua mulher não esconderam a emoção na tenda cultural. Eles vão voltar para subir a serra. Eles também nos emocionaram”, disse a coordenadora do projeto “Vamos Subir a Serra”, a jornalista e militante Valdice Gomes. Os 327 anos de morte do líder Zumbi-o último chefe supremo do Quilombo decapitado em 1695-é lembrado desde o início do mês com oficinas, cursos de formação para professores, feiras de artesanato, rodas de capoeira, culinária, teatro, cinema e apresentações musicais em Maceió e nesta cidade da Zona da Mata.
Apesar do distanciamento da Fundação Palmares (órgão do Ministério da Cultura), que, nos últimos anos, “tentou esquecer” este patrimônio da Cultura Brasileira, tombado em 1985 pelo Ministério da Cultura e desde 2019 elevado à condição de Patrimônio do Mercado Sul, as secretarias de Estado e Municipal de Cultura, Movimentos Negros do Brasil e de Alagoas se mantiveram unidos na reverência a Zumbi e na organização do 20 de novembro. Essa união evitou o abandono e o esquecimento cultural da Serra da Barriga, afirmam os militantes.
Nos últimos dias, centenas de turistas estiveram na tenda cultural, visitaram também a serra e se emocionaram. Além do governador da Bahia, grupos de pesquisadores de Universidades do Nordeste, professores, estudantes de três níveis de ensino, produtores de conteúdos para redes sociais e diretores do Tik Tok estão entre as pessoas que participaram de atividades culturais do projeto “Vamos subir a Serra”. Alguns visitaram a serra, revelou umas das coordenadoras do Centro de Cultura e de Estudos Étnicos Anajô e do projeto da tenda cultural, Valdice Gomes.
Além das atividades festivas, culturais e religiosas, a entidade do Movimento Negro envolvido com a organização das atividades do Dia da Consciência Negra promove - até domingo - oficina de formação. “O projeto Vamos Subir a Serra foca na Educação, economia criativa com geração de renda e em atividades de valorização da cultura afro-brasileira”. Valdice disse ainda que, com apoio das novas tecnologias, divulga as atividades e a Serra da Barriga para o Brasil e o mundo na perspectiva de fomentar o turismo na região. “Muita gente, inclusive em Alagoas, não conhece ainda a Serra, o local do Quilombo dos Palmares”, lamentou.
Economia aquecida
Com o aumento do fluxo de turistas em União dos Palmares em função das Comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra, a economia da cidade da Zona da Mata, distante 82 quilômetros da capital - Maceió, está aquecida. Os hotéis e pousadas estão com as reservas esgotadas, o artesanato local muito procurado, bares e restaurantes movimentados, até na feira livre da cidade aumentou o movimento de consumidores e turistas.
Entre os que vivem diretamente da Serra, Cleiton Santana, que é presidente da Associação dos Guias e Informantes de União dos Palmares, líder da categoria que reúne 12 guias profissionais, afirma que a Serra movimenta e aquece toda a economia de União dos Palmares. Ligado ao movimento negro da cidade, Cleiton disse que a maioria dos guias da Serra é pesquisador natural. “Estudamos os pesquisadores que defendem diferentes teses e posições políticas a respeito do Quilombos dos Palmares e ajudamos nas pesquisas”.
Porém, a linha mais trabalhada pelos guias-pesquisadores são a de Décio Freitas, Josias Pereiras, professor-doutor Zezito Araújo, entre os progressistas da atualidade. Além de ponto histórico, o líder dos guias de turismo destaca que a serra hoje é um ponto de geração oportunidade para o município. Quando está trabalhando, Cleiton diz para os turistas que na Serra da Barriga nasceu a nossa brasilidade.
“Aqui viveram juntos indígenas e negros fugitivos das senzalas. Todos lutavam com o mesmo objetivo: acabar com a escravidão. Aqui foi plantada a semente da liberdade”. Do ponto de vista econômico, considera que a serra é uma potência extraordinária para a economia nacional, de Alagoas e da região da Zona da Mata do Estado. “Quando se estuda a nossa história do Brasil, o Quilombo dos Palmares desperta o interesse dos brasileiros. Isto fortalece o turismo cultural do Estado e do País”, acredita o guia.
Para ganhar mais destaque até como potência social, fonte de geração de emprego e renda, Cleiton também sugere maior divulgação no Mercosul, pela Embratur e órgãos oficiais de turismo. “A Serra da Barriga é símbolo de resistência, da luta por direitos humanos e um patrimônio nosso. Aqui é um símbolo contra o racismo e isso precisa ser divulgado. Este é um bom produto cultural”. “É também uma terra de união e pacificação'. Os brasileiros e os alagoanos precisam ter este sentimento de pertencimento deste local”, defendeu.
união e pacificação
O movimento de turistas no platô da Serra, onde está o parque memorial do Quilombo dos Palmares, é intenso. A maioria dos turistas é brasileira, mas tem europeus com predominância portuguesa e sul-americanos. Os estrangeiros ficam impressionados com os relatos dos guias sobre o massacre que ocorreu no século XVII. Como a maioria dos brasileiros, muitos choram. A engenheira Laura Dias, de Niterói (RJ), disse realizar um sonho.
“Ao chegar aqui e quando ouvi a história do Quilombo e do massacre, não resisti. Chorei. Neste momento, o Brasil precisava ouvir também essa história”, sugeriu a engenheira. Outro que não escondeu a emoção foi o comerciante Felipe Brito da Silva, 35 anos, de São Paulo. “Estou tendo a oportunidade de conhecer a minha história de perto. A Serra da Barriga é um símbolo da nossa construção social. É mais que um foco de resistência de uma luta que ainda não acabou para muitos brasileiros”. Para ele, a serra é símbolo de união e resistência.
A aposentada Maria Aparecida de Miranda, 77 anos, da cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul, passa férias em Maceió e incluiu no roteiro dos passeios, o turismo cultural. “Ao chegar aqui, no Quilombo dos Palmares não há como não se emocionar. O Brasil precisa conhecer a Serra da Barriga”, defendeu.
Outro aposentado que não escondeu a emoção foi Leoni de Oliveira, 92 anos, de Itapeva-São Paulo. O ex-bancário considerou a Serra da Barriga e a fortaleza do Quilombo dos Palmares como acervos da história que, segundo ele, não podem ficar esquecidos ou desconhecidos dos brasileiros.
“Viajei mais de três mil quilômetros para realizar um desejo antigo. Aos 92 anos, finalmente conheci a fortaleza de Zumbi”. Depois de percorrer o platô da serra, caminhar pelos salões das casas cobertas de palhas disse ter certeza que “aqui, está muito de nossas raízes culturais. Nossos ancestrais. Esta é uma terra de união onde índios e africanos viveram em paz”.
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