O Senado aprovou nesta segunda-feira (2) um projeto de lei que propõe limitar os juros do rotativo do cartão — a categoria de crédito mais cara do país. O texto segue agora segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O projeto não impõe o valor do teto, mas dá um prazo de 90 dias, a partir da publicação da norma, para que as emissoras de cartão de crédito apresentem propostas de regulamentação. As regras deverão ser aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
O projeto também determina que, caso não haja uma regulamentação no período, o total cobrado no rotativo será limitado a 100% — ou seja, não poderá exceder o valor original da dívida.
Como funciona o rotativo do cartão?
Essa modalidade de crédito é ativada automaticamente quando o cliente não paga o valor total da fatura do cartão até a data do vencimento. Trata-se da categoria mais cara do país, com juros que, em média, chegaram a 445,7% ao ano em agosto.
Segundo dados do Banco Central, a inadimplência de operações com o rotativo atingiu 49,3% no mesmo mês. São aproximadamente R$ 76 bilhões em dívidas no país, de acordo com a instituição.
Na modalidade, os juros incidem sobre a diferença entre o que foi pago e o valor total a fatura. Desde 2017, há um limite para que o consumidor fique apenas 30 dias no rotativo. Depois do prazo, as instituições financeiras são obrigadas a migrar a dívida para um crédito parcelado, com juros menores.
Em geral, os juros do rotativo são muito altos por se tratar de uma linha de crédito com facilidade de entrada e enorme taxa de inadimplência. Além disso, a modalidade é considerada emergencial e não possui uma garantia — ou seja, o banco corre risco de levar calote —, o que faz as taxas dispararem.
Dá para escapar do rotativo?
Especialistas ouvidos pelo g1 reiteram que controlar gastos — não utilizando o cartão de crédito como extensão de renda, por exemplo — continua sendo a principal orientação para fugir da modalidade .
Aderir ao rotativo, no entanto, não é a única alternativa para quem acabou entrando no aperto. Segundo o Banco Central do Brasil (BC), existem três situações quando o pagamento integral da fatura não é realizado:
O cliente opta pelo parcelamento do valor;
Adere automaticamente ao rotativo (quando paga apenas o mínimo e não parcela o restante);
Fica inadimplente (quando paga valor inferior ao mínimo, sem parcelamento).
Ainda segundo a autoridade monetária, o eventual parcelamento automático de um valor que entraria no crédito rotativo depende do interesse tanto da instituição financeira quanto do cliente.
"Caso a instituição tenha interesse em oferecer o parcelamento do saldo devedor da fatura, as condições oferecidas ao cliente devem ser mais vantajosas do que aquelas do crédito rotativo, inclusive no que diz respeito à cobrança de encargos financeiros", diz o BC em publicação
Parcelamento da fatura
O parcelamento é uma modalidade melhor avaliada por especialistas. Nessa categoria, o cliente pode pagar o saldo devedor em prestações fixas, com juros bem abaixo do rotativo — ainda que seja bastante alto.
De acordo com dados do Banco Central, a taxa média da categoria foi de 194,5% em agosto. A inadimplência também foi muito menor: ficou na casa de 10,5%.
A educadora financeira Carol Stange pondera que, quando o cliente opta pelo parcelamento da fatura, ele fica sujeito às condições de aprovação de crédito — ou seja, o acesso pode ser mais limitado.
"A diferença fundamental em relação ao rotativo está na forma como os juros são aplicados e como a pessoa lida com esse débito e o comprometimento de renda", diz.
A especialista também reforça que, apesar de ser uma solução viável em situações de aperto financeiro, trata-se de uma opção emergencial e que, assim como o rotativo, deve ser evitada.
"Ao escolher parcelar, a pessoa compromete parte do seu orçamento futuro. Se ela não tiver mapeado o valor com o qual poderá pagar esse tipo de dívida, é questão de tempo para o descontrole financeiro voltar", alerta.
Ao contrário do rotativo — em que o cliente entra automaticamente caso não pague o valor total da fatura —, o parcelamento depende de negociação com a operadora do cartão. Nesse caso, as condições e taxas podem variar de acordo com as práticas de cada instituição financeira.
"Normalmente, o parcelamento sai mais barato do que o rotativo. Vale a dica: as opções mais fáceis sempre tendem a ser as mais caras", explica a professora de finanças da FAAP Virginia Prestes.
"O cheque especial é mais caro, o rotativo do cartão de crédito é mais caro. São modalidades de muito fácil acesso", diz. "Sempre que você precisa ir atrás e negociar acesso ao crédito, como no crédito pessoal, você pode barganhar taxas, condições e parcelas, e pagar taxas mais baratas."
A educadora financeira Carol Stange também reforça que, caso o cliente perceba que não conseguirá pagar a fatura integral do cartão, o ideal é já tomar medidas para evitar o rotativo.
"É preciso entrar em contato com a operadora para discutir alternativas e negociar melhores condições. Também é relevante comparar as condições ofertadas pelo banco com outras instituições no mercado", diz.
Quem perde e quem ganha com o projeto
Para Rodrigo Leite, professor de finanças do Coppead/UFRJ, o principal beneficiado do teto do rotativo do cartão é o cliente padrão, que cai nesta linha de crédito por uma emergência pessoal ou por um descontrole financeiro temporário.
É justamente esse público que não vai para a inadimplência longa, e acaba pagando o diferencial severo de juros que os bancos cobram pelo risco de não pagamento dos demais. Com um teto menor, a quantia efetivamente paga será mais controlada do que com o nível atual de juros.
Por outro lado, o especialista aponta outros riscos. O primeiro ponto é que bancos tradicionais serão mais criteriosos com o limite do cartão de crédito. A partir daí, são duas as principais consequências.
Uma é a migração de clientes para fintechs, que serão obrigadas a tomar ainda mais risco de inadimplência. São empresas com lucros pouco expressivos e que podem não ter espaço para absorver a nova leva.
“Conforme você assume mais riscos, o crescimento não é linear, mas exponencial”, afirma o professor.
Outra, é a redução do potencial de crédito, com o fim do parcelamento à vista. Para aproveitar a facilidade do parcelamento sem juros no cartão, é preciso ter um limite para absorver a compra parcelada por alguns meses. Com um limite baixo, o cliente não se beneficia do parcelamento.
“Essa é a melhor forma de crédito no Brasil porque permite uma antecipação do consumo sem custo. Em vez de economizar por 10 meses, o consumo ocorre imediatamente”, diz Leite.
“O comércio no Brasil depende muito disso. Os mais pobres já não têm limite no cartão e acabam recorrendo aos carnês. Meu receio é que fique ainda mais difícil para os mais pobres e para os mais jovens terem acesso ao parcelamento sem juros”, afirma o especialista.
Em posicionamentos recentes feitos nos últimos meses, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) já fez críticas à criação de um teto para os juros rotativos e afirmou que a limitação das taxas pode inviabilizar cartões de crédito.
A Federação também já informou que "não há qualquer pretensão de se acabar com as compras parceladas no cartão de crédito", ponderando que participa de "grupos multidisciplinares" para analisar, de um lado, as causas dos juros praticados e alternativas para um redesenho do rotativo do cartão e, do outro, o aprimoramento do mecanismo de parcelamento de compras.
Dicas para equilibrar as contas
Segundo especialistas, independentemente das mudanças no rotativo, continuarão valendo as já conhecidas dicas para um uso controlado do cartão de crédito.
Veja as principais:
possuir poucos cartões de crédito;
manter um uso disciplinado;
ter o limite disponível no cartão de no máximo 50% do total da sua renda;
pagar a fatura sempre em dia (nunca optar pelo pagamento mínimo);
optar, se possível, por cartões com programas de pontos;
observar sempre o valor total das compras, seja ele parcelado ou não;
não cair na armadilha de muitos parcelamentos pequenos;
lembrar que cartão de crédito é meio de pagamento, e não complemento de renda;
jamais emprestar seu cartão para outras pessoas.
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