Fabio Porchat fala muito. E muito rápido. Chega a emendar um assunto no outro como se adivinhasse o que o interlocutor quer saber. O raciocínio igualmente veloz explica a capacidade de improvisar e fazer rir no palco, nos vídeos do grupo “Porta dos Fundos”, no programa “Papo de Segunda” e na série “Homens”, ambos exibidos no GNT. Esse talento também fica evidente em “Que história é essa, Porchat?”, que está na segunda temporada no mesmo canal de TV por assinatura e estreia na grade da Globo no próximo dia 15. Na atração, o apresentador/comediante/ator/roteirista e produtor, de 37 anos, arranca histórias inéditas e engraçadíssimas de famosos e anônimos. Em entrevista por videochamada, de seu apartamento no Rio, ele fala sobre o humor, descobertas da quarentena e, claro, governo Bolsonaro. Afinal, como ele diz, é impossível qualquer conversa hoje em dia não tocar no nome do presidente.
O GLOBO - Como surgiu a ideia deste programa?
FABIO PORCHAT - É um atração para as pessoas assistirem à noite e dormirem tranquilas. Só tem história boa. Ninguém precisa dar opinião sobre nada. Não quero saber o que o entrevistado acha sobre o Brexit. Ou sobre o Bolsonaro. Já tem muito lugar na TV para isso. As redes sociais também estão lotadas disso. É legal ouvir como uma anônima foi parar numa festa na casa do Luciano Huck, que a Angélica fez um ultrassom numa clínica veterinária quando estava grávida. O brasileiro está precisando desse respiro.
Sentiu dificuldade para convidar as pessoas?
No início, muitos foram porque são meus amigos. Depois que viram no ar, entenderam. Convidei a Ana Furtado e ela me disse que não sabia contar histórias. Eu agradeci a sinceridade dela. Melhor do que chegar na hora e ficar sem graça. Em compensação, a Fafá de Belém e a Xuxa se convidaram para ir.
Você conquistou diversos prêmios em 2019 e aí veio a pandemia. Ficou frustado com a pausa na carreira?
Na verdade, todos os meus projetos de 2020 saíram. O único trabalho que ficou para depois foi o reality do “Porta dos Fundos”, que vai escolher um ator para fazer parte do elenco. Fiz a segunda temporada do “Que história é essa, Porchat?” dentro de casa. Até comercial gravei no conforto do lar. Agora, quando tenho que sair para uma gravação, faço o teste. Já fiz aquele exame que é um estupro nasal mais de oito vezes!
Dá para fazer piada sobre tudo?
Olha, o Gregorio (Duvivier, integrante do “Porta dos Fundos”) costuma dizer que, no humor, pode tudo, mas o humorista tem que ter responsabilidade. Não existe limite para poesia, drama, ficção científica. O que existe é liberdade de expressão. Qual o limite do humor? É a lei. Não dá para reiterar preconceitos.
Afinal, o politicamente correto atrapalha?
Acho que ele nos faz pensar. Não há nada pior do que você dizer que falou algo sem pensar. Muito comediante vê o politicamente correto como cerceador. Na verdade, é um objeto da luta contra racista, homofóbico, machista, gordofóbico. As pessoas cansaram de apanhar. Para que olhar o passado? Para que fazer as piadas que o Costinha fazia em 1973?
Aquele humor ainda faz sucesso hoje?
Qual foi a última vez que alguém perguntou para você se conhecia a última do papagaio? As piadas morreram. Antigamente, as anedotas eram muito em cima da humilhação. Quando alguém diz para mim que antigamente que era bom, eu respondo que era bom para o homem hétero, branco e rico.
Você fez alguma reflexão durante a quarentena?
Percebi que dá tranquilamente para trabalhar de casa. E espero que esta história de que tem que encontrar para fazer reunião acabe. A pandemia veio para mostrar que 80% das conferências podem ser resolvidas por aplicativos de videochamada. Trabalhei muito na pandemia. E assisti a muitos filmes. Fui em todas as plataformas, fiz uma lista organizada por gênero e canal.
Antes você não conseguiria fazer isso?
Não! Vivia fora de casa. Chegava depois do jantar, tomava banho e ia dormir. No dia seguinte, acordava cedo e ia embora. Eu não cozinho e nunca cozinharam para mim porque não fico em casa. Na minha vida adulta, nunca tinha comido em casa. Eu nunca tinha usado o escritório! Estou curtindo o meu apartamento. Pendurei quadro, mudei a decoração, arrastei sofá. E ficou ótimo! Também redescobri o supermercado. Nunca tinha ido fazer compras na vida adulta. E descobri que sou o maluco da limpeza. Sempre fui, mas dei uma piorada. Comprei aquele robozinho que aspira a casa sozinho. Adquiri um barato para ver se funcionava. Agora, vou comprar um mega. Faz mapa da casa, volta sozinho para a base, é praticamente um pet.
No fim das contas, a pandemia foi muito produtiva para você, não?
Super. Voltei a fazer exercícios e a comer mais saudável. Estava com 108 quilos e perdi uns 16. O problema não é estar pesado e, sim, ser sedentário. Voltei a correr, a fazer aulas de inglês e a ter tempo para mim e para curtir a minha mulher.
No ano passado, a produtora do “Porta dos Fundos” sofreu um atentado. Ficou com medo?
Eu não estava no Brasil, mas fiquei preocupado, sim, claro. Achei estranho o ministro da Justiça não falar nada, o presidente não se pronunciar. Não prenderam ninguém até hoje. Mas isso não é só com o nosso caso. Se há muitos homicídios que não solucionados no Brasil, imagina isso?
Você teme pela sua vida?
Não. Eu tenho mais medo do Bolsonaro ser reeleito. Também tenho medo do Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. Da Damares (Alves, ministra de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos). O presidente montou uma equipe com pessoas que odeiam o que fazem.
Todas as suas conversas acabam em Bolsonaro?
Qualquer conversa, com qualquer um termina em Bolsonaro!
Tem algum lado bom neste governo?
Começamos a dar mais valor para a democracia. Também estamos saindo da bolha. Temos que conhecer o Brasil profundo. E não estou me referindo ao Piauí. Estou falando do seu vizinho, seu porteiro. Este governo é tão péssimo que a gente já acha o Supremo Tribunal Federal incrível, o Congresso ótimo. O Rodrigo Maia excelente. Caramba, o Rodrigo Maia! Olha a que ponto chegamos!
O que você acha do cancelamento?
Uma forma de, dentro da sua pequenez, achar que conseguiu cumprir uma meta. Todo mundo quer significar algo. É difícil saber que, daqui a duas gerações, ninguém saberá quem eu sou.
Como assim?
Pergunta para qualquer pessoa na rua quem foi Chico Anisio? Não sabem, não lembram. Pergunta quem foi Costinha, Grande Otelo, Oscarito. As pessoas esquecem! Para comediante isso é pior. Porque as piadas envelhecem. Elas estão muito ligadas ao que está acontecendo no dia a dia.
E para você tudo bem?
É a vida! Fazer o quê? Já fiz terapia, inclusive, recomendo. O Brasil seria um país melhor se fosse um país analisado.
Em julho, na live que fez com o Guilherme Boulos, sua mulher apareceu nua, com toalha na cabeça. Você levou na esportiva. O que te tira do sério?
Acho que algo sair diferente do que planejei.
É do tipo que planeja tudo?
Até meu tempo livre está na minha agenda! Agora, quando algo não sai do jeito que pensei, me irrita profundamente. A falta de civilidade também me irrita. Sou contra as armas por isso. Se tivesse um revólver, ia distribuir tiros. Pessoas que fecham o cruzamento, param em fila dupla, furam sinal vermelho também me enlouquecem.
Está casado há três anos. Pensa em ter filhos?
Não faço a menor ideia, mas é um inferno ter filhos! Eu tenho 37 e Nataly (Mega, sua mulher) está com 33. Quando a gente começou a namorar, ela me disse que se não quisesse ter filhos, ela nem iria começar. Hoje, ela também não pensa. O maior medo é perder o que construímos. Somos muito companheiros. Não tivemos uma briga na quarentena. Tenho medo de um filho atrapalhar. Esse casamento me dá paz, a gente compra as maluquices um do outro... E filho atrapalha.
O humorista Marcius Melhem saiu da Globo depois de ser acusado de assédio. Dani Calabresa estaria entre as vítimas. Você sabia dessa história?
Fui pego de surpresa. Não foi só por causa da denúncia dela. Foram várias. Não sei sobre os casos. Sei da Dani porque conversei com ela. Quando começou essa história, até liguei para ele. Mas acredito nelas. São muitas falando coisas graves. Não dá mais para as empresas serem coniventes com esse tipo de comportamento.
Existe amizade entre os humoristas?
O mundo da comédia é unido. Quer dizer, o governo Bolsonaro separou as pessoas, mas, de maneira geral, somos chegados. Estou sempre falando com o (Marcelo) Adnet, com o Paulo Gustavo, mando mensagem para a Tatá (Werneck), que não responde nunca! Coitada, está com uma criança em plena pandemia!
Com tanto trabalho, que horas você dorme?
Das 2h30 às 10h. Acho uma média boa. Geralmente, deito e durmo. Só não posso pensar em trabalho. Caso contrário, tenho insônia. Durante a pandemia, tive dificuldade em descansar. Aproveitei para ler. Meus autores preferidos são José Saramago, Gabriel García Márquez e Franz Kafka.
Não acha Kafka uma leitura um pouco depressiva?
Acho, mas a vida é horrível! As pessoas estão morrendo. A vida é maravilhosa pelo o que poderia ser. E é horrível pelo o que é. É um papo deprê, mas combina com a comédia. A comédia é perder, é dar errado, tropeçar e cair no buraco. É saber rir disso. É tentar fazer desse limão, um bolo de laranja.
Fonte: O Globo
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