O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem até esta quinta-feira (11/4) para apreciar a lei que acaba com a saída temporária de detentos do regime semiaberto para visitar parentes e amigos, a chamada saidinha.
O fim da saidinha é considerado um nó difícil de ser desatado por Lula.
Por um lado, o presidente vem sendo pressionado por parte de sua base para vetar o projeto.
Mas a proposta foi aprovada em um momento em que a violência e a segurança pública são a principal preocupação dos brasileiros e viraram um vespeiro para o governo.
O veto seria uma medida considerada impopular e indesejável quando as pesquisas apontam uma queda na aprovação de Lula.
O próprio PT liberou sua base para votar como quisesse no Congresso. Lula tinha 15 dias úteis a partir da aprovação no Congresso, que aconteceu em 20 de março, para apreciar o projeto.
Caso o presidente vete todo o projeto total ou partes dele, o Congresso poderá derrubar sua decisão em votação, com maioria absoluta.
Outra possibilidade é que Lula não se manifeste a respeito. Neste caso, a lei entraria em vigor automaticamente por meio da chamada sanção tácita.
O fim da saidinha divide opiniões, e até mesmo o autor da proposta agora é contra a mudança.
Mas como funciona a saidinha, qual foi a mudança aprovada no Congresso e o que pode acontecer agora? Entenda a seguir.
O que é a saidinha?
Pela lei atual, presos cumprindo pena no regime semiaberto podem sair da prisão cinco vezes por ano por até sete dias corridos para visitar a família, estudar e participar de atividades de ressocialização.
Essas saídas temporárias são feitas nos meses em que caem os feriados de Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, Finados e Natal/Ano Novo.
Esse direito existe desde 1984, quando a Lei de Execução Penal entrou em vigor.
Nos sete dias fora da prisão, o preso precisa permanecer na cidade indicada, estar na residência onde indicou como dormitório das 19h às 6h e não pode frequentar bares, casas noturnas, de apostas e de prostituição.
Também não é permitido o uso de drogas ou bebidas alcoólicas. Quem usar tornozeleira eletrônica não pode retirar o equipamento.
A BBC News Brasil acompanhou a saída e o retorno das detentas da Penitenciária Feminina da Capital em meados de março para entender como funciona esse benefício e o que as presas têm a dizer.
"Sinto vontade de morrer quando volto, mas é melhor do que ficar sem sair", disse uma das detentas à reportagem.
Quem tem direito à saidinha?
Condenados cumprindo o regime semiaberto têm direito ao benefício da saidinha.
Neste regime, os presos podem deixar a penitenciária em parte do dia para estudar ou trabalhar.
Hoje, há 186 mil detentos no país que cumprem pena no semiaberto, de acordo com a Secretaria Nacional de Políticas Penais.
Outros 350 mil estão presos no regime fechado, e 202 mil estão em prisão provisória, ou seja, foram acusados de um crime, mas não foram condenados.
Para ter direito ao regime semiaberto, o preso deve ter cumprido 1/6 da pena, se for réu primário, ou 1/4, se já tiver sido preso antes.
O preso ainda deve ter um histórico de bom comportamento para ler liberado em uma saidinha.
São os diretores dos presídios que indicam à Justiça quem está apto a receber o benefício.
Como surgiu a proposta de acabar com a saidinha?
O projeto de lei que acaba com a saidinha foi proposto pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) e tramitava no Congresso desde 2011.
Nesses 13 anos, o texto passou por diversas comissões e alterações até ser votado e aprovado em agosto de 2022 na Câmara. Mas o texto teve que retornar à Casa após sofrer alterações no Senado.
Isso porque o projeto previa a extinção total do benefício, mas o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) propôs uma emenda, que foi aprovada, e o texto passou a permitir a saída dos detentos para fazerem os cursos.
A oposição ao governo petista no Congresso abraçou a proposta das saidinhas, e o Partido Liberal (PL), sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, conseguiu emplacar a relatoria tanto na Câmara quanto no Senado.
Além do deputado Guilherme Derrite, que foi exonerado do cargo de secretário de Segurança de São Paulo para ser relator da medida, o posto coube no Senado a Flávio Bolsonaro (RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O Senado aprovou o novo texto com 62 votos favoráveis, dois contra e uma abstenção. Na Câmara, foi aprovado com 311 votos favoráveis e 98 contrários.
Por que autor da proposta agora é contra a mudança?
Em entrevista à BBC News Brasil, o deputado Pedro Paulo afirmou que o novo texto desvirtua da proposta original e que queria "rasgar o projeto e começar de novo".
"Não concordo com esse texto. O projeto piorou muito", disse o deputado.
Pedro Paulo disse que sua intenção original era adotar critérios mais rígidos para permitir as saidinhas, e não extinguir o benefício.
Uma das suas sugestões era a exigência de uso de tornozeleira eletrônica por todos os presos durante a saída temporária e liberação mediante exames criminológicos para atestar que o detento tem condições de sair.
Outra era vetar o benefício a pessoas que cumprem pena por crimes hediondos.
Estes pontos foram mantidos na redação final do projeto aprovado.
"A intenção é ter critérios para não ter episódios como o do Rio de Janeiro no qual você coloca em saidinha chefes de organizações criminosas. Ou ainda criminosos potenciais, que é o caso de Minas Gerais, no qual o sujeito saiu e matou um pai de família", afirmou Pedro Paulo.
O que diz quem defende o fim da saidinha?
Em defesa da medida, Guilherme Derrite afirmou à BBC News Brasil que é preciso "ter tolerância zero com quem comete crime no Brasil" e que a intenção é "defender a sociedade".
"Bandido tem que cumprir pena, e o crime não pode ser lucrativo. O criminoso tem que ter receio de cometer um delito. Ele tem que saber que, se cometer, não vai ter privilégio", disse.
Para ele, o benefício das saídas temporárias põe em risco a vida de milhares de pessoas no país, porque são pessoas que ainda não cumpriram completamente suas penas.
"É uma imoralidade, um absurdo, uma aberração jurídica que eu graças a Deus consegui acabar com ela."
Ao argumentar a favor da medida, Derrite contestou o dado passado à BBC News Brasil pelo governo estadual de São Paulo de que uma pequena parcela dos presos não voltam para os presídios após as saidinhas.
"Eu vi a esquerda dizendo que só 5% não voltam. Só que 5% de 35 mil são muitos criminosos que não voltam", diz, em referência ao número total de presos do Estado de São Paulo.
Para Derrite, esse número é significativo no longo prazo: "Eu tive o cuidado de fazer essa conta. Do ano de 2006 até 2023, foram mais de 128 mil criminosos que não voltaram para os presídios no Brasil".
Na saidinha de Páscoa, por exemplo, entre 12 e 18 de março, foi autorizada a saída temporária de 32.395 presos em São Paulo, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado, dos quais 1.438 não retornaram, o equivalente a 4,4%.
Na capital paulista, dos 738 liberados temporariamente, 53 não voltaram, o que corresponde a 7,1%.
O que diz quem é contra o fim da saidinha?
O deputado Pedro Paulo argumentou, ao comentar a possibilidade de o benefício acabar, que a saidinha é importante para que um preso volte aos poucos a conviver em sociedade.
"A saidinha [tem que ser observada] sob esse aspecto da ressocialização ao ambiente comunitário, à sua família, à sociedade que ele vai conviver quando terminar a pena. Por isso, é um erro o projeto do jeito que está", disse.
Por sua vez, o advogado Luís Felipe Bretas Marzagão, especializado em direito penal e direito processual penal, disse à reportagem que a extinção da saidinha impede que a ressocialização gradativa dos detentos seja feita.
Para ele, não há números que demonstrem a necessidade de eliminar a saidinha. Ele cita que menos de 5% dos presos não voltam do benefício em São Paulo.
"Nenhuma pesquisa aponta para uma necessidade de acabar com esse benefício", diz Marzagão.
"Esta nova lei vai apenas prejudicar os presos que têm bom comportamento e querem progredir aos poucos."
Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos humanos e segurança pública, também defendeu que a saída temporária é uma maneira de verificar se o preso está "evoluindo ou não no processo de ressocialização".
"Se o preso sai e cumpre as regras de ficar na residência da família, não sair à noite, não ir em bares e casas noturnas, vai e volta nos dias e horários estabelecidos pelo sistema prisional, e não se envolve em brigas e em crimes, significa que ele está em processo de ressocialização, em preparação para retornar ao convívio social em liberdade", disse à BBC News Brasil.
O que pode mudar agora?
O projeto de lei aprovado pelo Congresso prevê que os presos saiam apenas para fazer cursos profissionalizantes ou para cursar o ensino médio ou superior.
Não terão direito a esse benefício as pessoas condenadas por crimes hediondos, como homicídio, ou com grave ameaça à vítima — por exemplo, sequestro.
O estudo deverá ser na mesma comarca onde o detento cumpre pena.
O preso poderá fazer isso todos os dias e durante o tempo necessário para estudar até se formar.
O benefício será condicionado ao bom aproveitamento do detento nos estudos. Caso necessite de transporte, esse custo fica a cargo do aluno.
Se ele ou ela não tiver um bom desempenho e conduta durante o curso, a medida poderá ser cancelada pelo juiz responsável.
Há risco de presos se rebelarem com fim da saidinha?
A reportagem conversou com agentes penitenciários, detentos e associações de presos sobre a possibilidade de ocorrerem protestos e rebeliões, caso o fim da saidinha seja sancionado pelo presidente.
A maioria acredita que não haverá revoltas, mas não descarta definitivamente a hipótese.
Eles citam que a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), em sua origem, foi criada com a proposta de defender os direitos dos presos, mas agora está mais preocupada com suas ações lucrativas, como o tráfico de drogas.
"Eles perderam essa ideologia ao longo dos anos", diz uma fonte que já esteve presa durante anos e que ainda mantém contato constante com internos, mas pediu para não ser identificada.
"Hoje, a gente só verá uma possível revolta se isso surgir da própria massa carcerária, porque o partido [como é conhecido o PCC] não parece muito interessado."
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